Um show de rock progressivo no Brasil a cada ano que passa torna-se um evento raro, pra ser franco, raríssimo. É possível contar nos dedos e ainda com sobras os shows deste estilo em nossas terras, se demarcamos os limites para o Estado do Rio de Janeiro a escassez ainda é maior. O aspecto incongruente é que grande parte das apresentações é de alto nível, tanto das bandas nacionais, quanto das internacionais, mas mesmo assim a mídia não se interessa por prestigiar os artistas que tanto se esmeram para levar ao público composições de envergadura e complexidade musical. Diante deste quadro, uma apresentação do porte de um grupo como o Quaterna Réquiem é algo imperdível.
Ingresso do evento
Ao chegar no aconchegante teatro do Centro Cultural Suassuna na Barra da Tijuca, algo de diferente estava perceptível no tocante ao público presente, pois não se viam os tradicionais amantes do rock progressivo carioca, nem sequer os velhos lojistas. Apesar da média alta de idade entre os presentes, muitos jovens também se misturavam na platéia para apreciar música de verdade, inclusive contando com um bom número de representantes da ala feminina, algo atualmente incomum no cenário progressivo. O tempo estava quente e nos preparativos para o show, entre cervejas esporádicas por conta da Lei Seca, o bate papo tradicional reuniu os proggers José Hayun e Welington com sua inseparável camisa do O Terço, ambos do grupo ProgBrasil, além do sempre presente Júlio Scultori.
José Hayun e Wellington do grupo ProgBrasil
Na abertura do teatro era nítido que a casa não estava cheia, mas só em verificar que o público presente era bem diversificado, já traz certo alento ao cenário carioca, até porque a divulgação para estes eventos no Brasil, como sempre são precárias, dependendo exclusivamente da rede de contatos na internet, pois como já dito, se depender de uma divulgação da imprensa os artistas ficarão a ver navios. A banda iniciou a apresentação com uma sequencia introdutória do disco 'Quasimodo', naquela abertura medieval típica conduzida pelo baixista Jorge Mathias, idêntica à introdução na suíte título do mesmo disco, em seguida surge de forma empolgada o violino de Kleber Vogel com a tecladeira de Elisa. O som estava muito bem ajustado, qualidade de grandes músicos. A acústica do teatro colaborava bastante para o resultado musical, diga-se de passagem, fato comprovado com a exibição do segundo número, a já clássica 'Irmãos Grimm', impressionante como a presença do violinista Kleber Vogel possibilita um novo horizonte para esta bela música, se a versão original já era bem interessante, numa linha típica de power trios clássicos como ELP e Trace, com o Vogel a execução tornou-se mais sinfônica, pois seu violino amplia sobremaneira o espectro musical do grupo. Ao fim, a platéia aplaudiu efusivamente, pois era o prenúncio de uma grande noite.
Kleber Vogel incendiando a platéia num dos muitos arroubos ao violino
Após estes vinte minutos iniciais, o grupo inicia um diálogo com a platéia apresentando duas composições do novo e lendário álbum que está em fase final de produção há dez anos (conforme as próprias palavras do excelente batera Cláudio Dantas ao fim do espetáculo), as quais foram: 'O Arquiteto' e 'Fantasia Urbana'. Resta-nos aguardar ansiosamente este tão esperado lançamento, a se verificar o nível de ambas as músicas, o grupo com certeza brindará o público com mais um belo trabalho. Não por acaso, a música 'Fantasia Urbana' foi um dos melhores momentos da apresentação, o baixista Jorge Mathias dá um verdadeiro show, músico acima da média e muito criativo, a dobradinha de Vogel e Wiermann é fantástica em meio à cozinha primorosa de Roberto Crivano e Dantas. Pode soar estranho, mas nesse show ficou claro que Mathias assumiu de vez a condição de frontman do grupo ao lado de Elisa e Kleber, deixando a cozinha para a bateria e guitarra, que como sempre são muito competentes.
Mathias não deixando pedra sobre pedra
Após a bela exibição das músicas inéditas, a banda executa mais uma composição do álbum 'Quasimodo' e emenda com mais um número que está disponível somente no recente dvd lançado pelo grupo, denominado 'Horda', contando com movimentos intricados e destaque para a excelente bateria de Dantas que somente nos oito minutos de música bate em todas as caixas e manda ver num jogo de pratos excepcional, grande músico. Crivano que estava participando discretamente do show, mas com pontuações de categoria, aproveita para um solo viajante. É muito interessante observar o contraponto que Crivano possibilita ao grupo, pois os outros quatro integrantes possuem muita agilidade e vigor, formando movimentos de pura quebradeira, porém o guitarrista é mais climático, não se presta a execuções de grande agilidade, formando uma instigante quebra de ritmo no palco, com sua guitarra nota a nota.
Crivano executando um solo viajante
Detalhe da bela bateria de Dantas
Aproximando-se o fim da apresentação, o Quaterna aproveita para agradar a platéia com um breve medley de um dos álbuns mais clássicos da discografia progressiva nacional: 'Velha Gravura'. As escolhidas foram 'Aquarta' e 'Tocatta' e neste ponto todos os holofotes se viram para a tecladista Elisa Wiermann, o que ela toca é uma monstruosidade, executando com destrezas as três sequencias de teclados de forma deslumbrante, seu estilo nervoso lembra bastante o genial tecladista do Solaris - Edréz Robert - até mesmo pela escolha dos timbres, porém não se resume apenas a uma prática de estenografia ambulante, Elisa coloca muito sentimento além da técnica exacerbada. Ao fim do medley o público literalmente levantou para aplaudir o grupo de pé e merecidamente, de imediato surgiram os pedidos insistentes de bis e apesar do cansaço, o grupo atendeu os fãs e voltou para um bis mágico, com a mais clássica de suas músicas: 'Velha Gravura', simplesmente sem palavras, quem foi ao show com certeza lavou a alma e principalmente meu amigo Hayun, que desceu de Teresópolis especialmente para este evento, parece loucura, mais ainda temos verdadeiros admiradores da boa música entre nós e pensar que muitas pessoas que moram bem mais perto que ele, deixaram de ver este espetáculo maravilhoso.
Elisa no comando dos teclados
Por fim, os integrantes da banda fizeram a tradicional confraternização com os presentes, distribuindo autógrafos, todos são muito simpáticos e atenciosos. Em meio ao povo, surgiu também a figura sempre sorridente do nosso amigo André Mello, célebre tecladista do Tempus Fugit. Vale destacar que o teatro disponibilizou um estande de vendas com os discos do grupo e até onde percebi, a compra de cds e dvds foi intensa, provando que realmente o show agradou em cheio a todos os presentes.
O colecionador Julio Scultori e Gibran ao término do evento
Da esquerda para direita: o baterista Claudio Dantas, Gibran, Hayun e André Mello