Amyr Cantúsio Jr. é conhecido no cenário musical brasileiro pela sua estreita relação com a música progressiva de vanguarda, nas mais variadas manifestações, além de ser um grande entusiasta do rock surgido ao fim da década de sessenta e presente até os dias atuais. Assim, sua carreira está envolvida no mais puro ecletismo, permeando diversos estilos tais como: progressivo sinfônico, eletrônico, música atonal, power trio, prog metal, gotic metal, hard rock e outros. Como visto, a trajetória deste músico não se compromete com uma linha musical específica, onde, incansavelmente, apresenta um vasto leque de realizações com características díspares.
Em 2009, num dos seus mais recentes trabalhos(ainda inédito), Amyr voltou às origens clássicas de sua formação musical, apresentando uma releitura da obra erudita "Quadros de uma Exposição", do renomando músico russo Modest Mussorgsky. Nos anos setenta, com o disco "Pictures At An Exihibition", dos virtuosos Emerson, Lake And Palmer, provavelmente o rock prestou sua mais significativa homenagem ao mestre russo. Modest Mussorgsky, 1839-1881, fez parte do famoso grupo nacionalista (grupo dos 5) russo que tinha como membros Rimsky-Korsákov, Cui, Balakirév e Borodin.
A interpretação de Amyr é mais visceral, clássica e rebuscada que a do grupo ELP, porém conta com toques pessoais, não se atendo apenas a maquinar uma partitura pura e simples. A introdução na "Parte I (Orquestra e Grand Piano)" é muito próxima do movimento original, alternando passagens suaves com deselances ágeis e neuróticos, bem ao estilo da musicalidade do compositor russo. O ritmo desenfreado e irascível da peça é muito bem interpretado por Amyr, provocando no ouvinte a intensidade e dramaticidade que caracterizam a obra original. Os minutos finais são um dos pontos altos de todo o disco! A segunda faixa, "Parte II (Orquestrações com Teclados)", inicia-se com as mesmas notas da anterior, com sentimentalismo transbordando até a virada clássica entrecortada pela escala rápida de notas, mudando completamente o andamento da mesma. Amyr a executa solo, numa espécie de recital clássico, não deixando muito espaço para linhas roqueiras, essencialmente uma faixa erudita, porém agora com a presença dos teclados, apresentando uma dicotomia clara para as leituras em piano. Por incrível que pareça, Amyr mostra muito mais agilidade e nervosismo ao piano do que nos teclados, onde segue uma linha um pouco mais cadenciada e sinfônica
"Parte III (Portais do Além)" e "Parte IV (Portais de Kiev)" retomam o ritmo introspectivo ao piano, numa interpretação pungente e de muita sensibilidade, outro grande momento da obra. As audições seguintes, constantes nas "Partes V a IX", o músico adiciona elementos alheios à plataforma musical clássica, tais como bateria e baixo elétricos e muitos sintetizadores emulando os mais variados sons, desde pássaros a elementos naturais, algo que possibilita uma verve psicodélica nas execuções, conferindo um sopro de originalidade e leveza para a peça de Mussorgsky. Entretanto, esta é uma obra inerentemente clássica, apesar dos elementos citados, não há flerte com o rock e seus desdobramentos. Amyr não permite muitas concessões, imprime seu toque pessoal, porém em sua homenagem ao músico russo, optou por conceber arranjos minimalistas, eruditos e de extremo bom gosto.
O encerramento da obra, com a "Faixa XI (Mussorgsky Contemplação)", funciona como um retorno às memoráveis passagens desta peça clássica e finalmente a roupagem roqueira dá o ar da graça, com guitarras, bateria e diversas variações nos teclados, ainda assim é um número limpo, sem aquela "sujeira" toda do ELP, que com certeza agradará ao público progressivo em cheio. O projeto de capa em tom malva é bem interessante, remetendo-nos a paisagens exotéricas.
Termino afirmando que esta versão criada pelo músico Amyr Cantúsio Jr. encontra-se no mesmo nível das excelentes dezenas de versões que conheço desta obra magnífica!