Este artigo tem por objetivo realizar uma análise acerca de alguns projetos ainda inéditos do Alpha III, todos remasterizados recentemente com esmero por Amyr Cantusio Jr., multi-instrumentista responsável por todas as composições e execuções, liderando por mais de vinte anos anos as aventuras sonoras idealizadas pelo Alpha III. Os trabalhos presentes neste artigo e que estão disponíveis para aquisição junto ao próprio Amyr, são:
'Lord Of The Abyss'
'Voyage Beyond The Galaxies'
'Destroyer'
'Procyon X'
'Lord Of The Abyss' é uma obra conceitual, dividida em dez partes, delineada por tintas épicas, onde desde o princípio cria-se a sensação típica de filmes fantásticos, vivenciados em eras distantes, cidadelas mágicas, ou seja, é praticamente uma trilha sonora completa, principalmente pelo belo arranjo orquestral criado por Amyr na condução dos diversos sintetizadores, baixo, programação de bateria e vocalizações. Ao longo de todo o disco é perceptível a sutil dualidade entre a escuridão e a luz, porém o tom sombrio prevalece, entrecortado por acordes mais sinfônicos e notas melódicas com timbres abertos. Esta dualidade está brilhantemente delineada na Parte III, a segunda faixa mais longa com dez minutos. Na parte IV surgem as primeiras vocalizações, imersas em grande dramaticidade, como se todo o sofrimento evocasse tempos melhores e o fim das amarguras, assim como os diversos timbres utilizados nos teclados, as vocalizações também possuem diversas faces, algumas guturais lembrando bastante os famosos 'orcs' da trilogia 'O Senhor Dos Anéis', brilhantemente recriada no cinema pelo mestre Peter Jackson, a propósito 'Lord Of The Abyss' pode ser entendido como um par, só que musical, dos visionários J.R. Tolkien e C.S. Elliot, não há como ouvir esta obra e não pensar em trabalhos magníficos do cinema como 'A Lenda', 'Conan - O Bárbaro', 'O Fetiço de Áquila' e obviamente 'O Senhor dos Anéis'.
Após a audição da parte V torna-se transparente a imensa originalidade deste tipo de criação musical em termos de Brasil, pois qualquer ouvinte desavisado jamais poderia imaginar que uma obra deste porte e com referências tão distantes da musicalidade brasileira, poderia ter sido concebida em nosso país. Outro aspecto interessante em 'Lord Of The Abyss' é a plena conexão dos temas, tudo muito bem trabalhado e cuidadosamente interligado. Ao contrário de outras obras do Alpha III, em 'Lord Of The Abyss' não há aberturas para jams ou improvisações. Ainda que essencialmente eletrônico, este disco está muito distante de referências básicas do estilo, tais como Vangelis, Kitaro ou Klaus Schulze, pois Amyr não segue a linha sinfônica de Vangelis, nem medidativa de Kitaro e também passa longe da introspecção de Schulze. 'Lord Of The Abyss' também não abre espaços para melancolia, a plataforma musical é sombria, porém com grande domínio da programação de bateria e baixo, Amyr torna a ambientação dinâmica e forte, permitindo inclusive, ainda que raros, momentos de quebradeira como observa-se ao término da 'Part VII'. A 'Part VIII' funciona como perfeito anti-clímax para a sequencia final, onde o clima obscuro abre espaço para a temperança em torno da 'Part IX' e da 'Part X', magistral suíte de encerramento, que durante seus quatorze minutos possibilita uma similaridade junto às obras épicas de Rick Wakeman, com movimentos absolutamente maravilhosos.
Pode-se concluir ao término da suíte final que 'Lord Of The Abyss' cumpre o papel de emocionar o ouvinte ao longo dos seus sessenta minutos de duração.
O segundo trabalho em análise é o space 'Voyage Beyond The Galaxies', onde o eletrônico tradicional prevalece, mas longe do pragmatismo evidente de obras do gênero, parafraseando rótulos, o que convencionou-se denominar de som ambiente. A rigor, Amyr consegue fundir neste disco elementos psicodélicos da fase inicial do Pink Floyd com alucinações espaciais típicas do período da guerra fria conhecido como 'corrida espacial' e representadas também em trabalhos do Tangerine Dream em sua fase space, assim o ouvinte prende-se pela profusão de efeitos e sensações cósmicas diversas, estas variações não permitem a calmaria da 'ambient music'. Também dividido em dez faixas, este trabalho se diferencia do anterior, pois a temática segue trilhas de ficção científica, algo conectado com obras do quilate de '2001 - Uma Odisseia no Espaço' ou 'Contatos Imediatos do Terceiro Grau'. Na 'Part III' a obra passa a ter a companhia da programação de bateria, tornando a sonoridade um pouco mais aberta e menos tensa que nos dois movimentos anteriores que funcionam como preâmbulo.Todas as faixas recebem a denominação de "The Antares Entrance Behind the Dark Matter"
A viagem concebida pelo disco, assim como eventos do tipo, alterna momentos de calmaria com outros de grande turbulência. O fato é que os movimentos de tranquilidade são divinos, possuindo um desenvolvimento sonoro extremamente agradável, onde Amyr passa toda sua sensibilidade através dos teclados. A sequencia entre as faixas 4 e 5 soam como uma escapada desordenada se comparadas à faixa anterior, possibilitando visualizar fugas alucinantes de prófugos desvairados tão comuns em filmes futuristas que possuem sistemas intransponíveis. A tensão predomina através das camadas em ascensão produzidas pelos sintetizadores e na 'Part V' culminam com um movimento de muita sensibilidade, a representação da luz infinita! A sequencia é delineada por uma atmosfera repleta de efeitos, contrastando suavidade com arranhões e choques que em alguns momentos soam insistentes, propositadamente para quebrar a harmonia com um certo incômodo nervoso. O psicodelismo pemanece na 'Part VII', aqui com efeitos eletrônicos na sequencia de bateria e diversas percussões, a segunda mais longa da obra com mais de dez minutos, porém o tom é mais ameno e menos intricado.
As 'Part IX' e 'Part X' trazem uma sonoridade mais sombria, obscura, abrindo mão de notas sensíveis e melódicas que o ouvinte percebeu em faixas anteriores. Este clima remonta a trabalhos também obscuros do mestre Klaus Schulze, porém o alemão ainda permite concessões melódicas, algo que o Alpha III nestas faixas abre mão, saindo de uma viagem espacial em busca da luz, para descer ao mundo das trevas permeado por ecos sinistros, muito comuns em trilhas sonoras de clássicos do terror B.
'Destroyer', terceiro trabalho em análise, concebido a partir de 2001, apresenta configuração de power trio, cozinha quebrada com bateria e baixo sintetizado, além da absurda tecladeira a la hammond imposta por Amyr Cantúsio. Nas duas primeiras faixas - 'Destroyer I' e 'Destroyer II', o grupo permeia o hard com muita propriedade e fluidez nos diversos movimentos, onde saltam dos teclados inúmeros timbres, com destaque para a emulação do moog nos minutos finais. A pegada roqueira é recomendada para os adeptos do progressivo tradicional, principalmente os admiradores de nomes como Greenslade, UFO, Deep Purple e Trace. O alto clima imposto por estas faixas permanece na sequencia 'Under Sun Jam I' e 'Under Sun Jam II', com teclados realmente sublimes, não por acaso, mesmo reconhecendo o talento e capacidade de Amyr, fica a sensação de que nesta obra ocorreu uma autêntica superação. Outro fato que também fica claro ao longo do disco é o ineditismo em termos de Brasil, pois não é comum entre os grupos nacionais desenvolvimentos sonoros semelhantes.
Não obstante o predomínio dos teclados, ambas apresentam uma cozinha muito bem arranjada, com destaques para a percussão de Victor Marcellus que trabalha muito bem os bumbos e o jogo de pratos. A sucessão de solos e bases nos teclados sinalizam um desenvolvimento em forma de jams, muito do agrado dos fanáticos pelo instrumento que nas mãos de Amyr tornam-se livres e soberanos. Há certa similaridade com bandas da atualidade, principalmente as japonesas, notadamente Ars Nova e KBB, ainda que pese o Alpha III possuir uma orientação vintage. 'Destroyer III' inicia-se com um solo de teclado em primeiro plano, sendo possível identificar a desenvoltura de Amyr, pois ao mesmo tempo que sola com um timbre, realiza a base com timbre completamente distinto, gerando um resultado que soa sem uniformidade à primeira vista, porém na metade da música há uma convergência com tintas sinfônicas repleta de harmonia. Belíssimo número!
A sequencia é uma releitura da clássica obra do genial compositor russo Mussórgsky - 'Quadros Em Exposição' , seguindo praticamente a mesma linha do ELP, com destaque para a bateria que consegue a proeza de se aproximar da força que Carl Palmer imprimiu na versão do medalhão inglês. Depois desse número jamais pode-se rotular o Alpha III de um grupo essencialmente eletrônico ou psicodélico. A rigor, trata-se de uma das bandas mais ecléticas que existem, navegando em diversos estilos e 'Destroyer' apresenta muito bem esta miscelânea, porém aqui não sobra espaço justamente para o tão propalado eletrônico do grupo. É rock visceral na veia, do início ao fim! A faixa subsequente é de arrepiar, ainda mantendo uma face mais amena, com bateria marcando para o desenvolvimento space rock, próximo ao que rolou no RARF 2008 em que o Alpha III fora muito aclamado, numa formação inusitada contando com dois tecladistas e bateria convencional.
'Marte, Deus da Guerra' é a mais longa, com aproximadamente 10 minutos de execução. O clima muda sensivelmente, a quebradeira abre um pequeno espaço para uma introdução mais sutil e psicodélica, rememorando Yes em obras como 'Relayer' e 'Going For The One', assim o grupo parte do vigoroso formato de power trio para o sinfonismo épico. A plataforma soa como fim de batalha, onde o rei carregado em sua corte com baldaquino e estandarte, segue em comitiva de volta ao lar. A rigor, a inserção desta faixa no meio da obra, soa como intermezzo propício para descanso do ouvinte, que terá nas cinco faixas finais mais um excelente surto de muita quebradeira, a começar pela extasiante versão em forma de pout pourri de 'The Six Wives Of Henry VIII', um autêntico, onde Amyr aproveita para reverenciar um dos maiores músicos da história do rock progressivo, o lendário Rick Wakeman. O trabalho encerra-se com a sequencia 'Nucleus I', 'Nucleus II' e 'Nucleus III', com Amyr executando todos os instrumentos, inclusive bateria.
'Procyon X' é o quarto é último disco a compor este breve texto sobre as aventuras inéditas do Alpha III. Distribuido em dez faixas, sendo cinco de média duração e cinco de curta duração, o tom que se apresenta é do mais puro eletrônico, pautado em viagens sonoras espaciais, tendo como referências os principais artistas do estilo: Klaus Schulze, Tangerine Dream, Vangelis, Neuronium, entre outros. De qualquer forma a obra possui a tensão característica do Alpha III, com atmosfera soturna e efeitos repletos de magnetismo. Dos maiores representantes da música eletrônica, provavelmente o único que não se associa a este trabalho são exatamente os róbticos Kraftwerk, até porque o Alpha III privilegia os movimentos naturais, bem ao estilo do Tangerine, enquanto Ralf and Florian sempre optaram por uma linha mais batida, relevando o ambiente space a segundo plano.
A faixa mais marcante é 'Part VII', pois ocorre a execução de um órgão clássico, totalmente inspirado em Bach, algo que arrepia realmente, pois até então a obra delineava-se de forma totalmente eletrônica solidificada em Tangerine Dream, a ruptura para o clássico bachiano é de fato um assombro, o único senão é a curta duração de quatro minutos, passando até mesma a impressão de um corte abrupto no desenvolvimento da mesma. Esta obra foi renomeada para 'Protheus II', uma excelente referência, já que o Deus Grego, filho de Poseidon, que possuia o dom da premonição, vadeado quando um humano se aproximava, escusava-se a lhe contar a verdade e para isso assumia formas bizarras e assustadoras, porém se o humano era suficientemente corajoso para enfrentá-lo, ele simplesmente recuava e lhe contava os fatos vindouros. Assim, de certa forma é o trabalho do Alpha III, ao se deparar com a estupenda musicalidade do projeto, muitos acabam não possuindo coragem de ir adiante, por preconceito em saber que se trata de um artista genuinamente nacional, ou ainda por esperar um resultado musical imediato. Para apreciar o Alpha III é necessário romper todas as amarras e ter a mesma ousadia que Amyr Cantúsio tem em produzir este tipo de som no Brasil, após isso, a satisfação é garantida!