Obra-prima, irretocável
Banda finlandesa originária de Pori (cidade situada na costa oeste daquele país), o Circle foi formado no início dos anos 90 e já conta com uma discografia bastante prolífica. O grupo tem diversos de seus trabalhos mais recentes lançados pelo selo finlandês Ektro Records, sinônimo de vanguarda em progressivo, eletrônico/industrial e metal (o selo pertence, na verdade, ao líder da banda, Jussi Lehtisalo, através do qual também vêm sendo lançados outros projetos paralelos por ele liderados, como Pharaoh Overload e Ektroverde).
Descrever o som bizarro do Circle não é tarefa das mais fáceis. Predominantemente instrumental, sua sonoridade lembra uma fusão de rock progressivo com space rock, post-rock, jazz-rock, trance, psicodelia e incursões avant-garde, tendo como característica marcante uma textura rítmica eminentemente frenética e monotônica (bem na linha Krautrock), sobre a qual são desenvolvidas sutis variações de andamento ao longo das músicas. Rotulado por alguns de neo-krautrock, chega a lembrar eventualmente uma interessante
mistura de Can com Neu, Hawkwind, Brand X e Tortoise, mas com uma assinatura sônica muito particular, bastante original realmente.
Pori, como o próprio nome sugere, é uma homenagem da banda à sua terra natal. O disco abre com uma faixa meio soturna e experimental, "Perustamisasiakiria 8.3.1558", constituída apenas de toques esparsos de violino, violoncelo, flauta, piano e bateria (lembrei-me da introdução da suíte Atom Heart Mother, do Pink Floyd, ouvindo esta faixa). A partir da faixa 2, o disco finalmente engrena
dentro daquela característica principal já acima aludida, de cadências rítmicas hipnóticas e repetitivas (à la Can), comandadas normalmente por bateria, baixo e riffs de guitarra. O som é predominantemente denso e frenético ao longo de todo o álbum (exceções para algumas passagens mais suaves), com variações de
textura e andamento a cargo de sintetizadores, guitarras distorcidas, bateria e percussão, permeadas por interessantes intervenções vocais (operísticas ou em coro) e de instrumentação sinfônica. Destaque especial para as excelentes "Back to Pori" (faixa 3), bem roqueira e com participação de vocais gregorianos, "Promenaadikeskus" (faixa 6), meio viajante e hipnótica (apesar do ritmo frenético), com bonito vocal feminino e experimentalismos proporcionados por riffs de guitarra e sintetizadores, "Seisomakatsomo" (faixa 8), também muito bonita e interessante, com ótima presença de vocal feminino, violino, flauta,
violoncelo e baixo acústico, e "Karhun Kansaa 1" (faixa 9), com magnífica performance de sintetizador, guitarra, bateria e percussão.
Ou seja, muito embora a música do Circle seja predominantemente instrumental, neste álbum em particular algumas intervenções vocais foram introduzidas (ainda que de forma bastante minimalista), como o já mencionado canto gregoriano na faixa 3, bonitos vocais femininos (coros) nas faixas 6 e 8 e harmonias vocais igualmente interessantes em algumas outras passagens também, a exemplo da faixa 5.
A todo aquele que for ouvir um disco desta banda pela primeira vez, um conselho muito importante: não se deixe enganar pela aparente falta de rumo das composições, pelo intenso "girar em círculos" de suas texturas rítmicas. O som do Circle é deliberadamente monotônico mesmo, é sua característica mais marcante (nesse sentido pode-se até dizer que o nome da banda é bastante sugestivo), mas num sentido positivo, de quase hipnose, de indução ao transe. É só entrar no
clima e esperar, pois mais cedo ou mais tarde encontrará sutis variações de andamento, de intensa complexidade e beleza.
Circle é uma banda que consegue conciliar, de forma bastante satisfatória, arranjos e experimentações mais vanguardistas com texturas melódicas de notável beleza. Neste aspecto, em particular, me lembra de certa forma o também finlandês Höyry-Kone e o sueco Isildurs Bane, duas bandas que eu reputo entre as mais bem sucedidas no que concerne à solução desse aparente antagonismo entre beleza melódica e complexidade. |
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