Nave - Segredos do Chão - Progbrasil

Nave

Brasil
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Titulo: Segredos do Chão
Ano de Lançamento: 2007
Genero:
Label:
Numero de catalogo:

Revisto por Gibran Felippe em 30/03/08 Nota: 8.0

 

Ótimo trabalho, disco de cabeceira

O grupo paulista Nave está navegando na mesma onda, responsável por
inúmeros retornos que ocorreram recentemente, de bandas importantes na
cena progressiva nacional. É possível entender a palavra retorno como
um pouco forte nesse caso, mas pelo tempo que a banda ficou totalmente
ausente do cenário, essa expressão passa a ser perfeitamente plausível,
afinal de contas, a maioria já pensava que a banda tinha encerrado suas
atividades definitivamente. Ainda bem que isso não ocorreu, e mesmo que
essa volta não tenha o mesmo gradiente da importância de nomes como
Mutantes, A Bolha, Casa das Máquinas, Som Nosso de Cada Dia, A Cor do
Som, Haddad, Saecvla Saecvlorum, dentre outros, ainda assim é muito
nobre, porque não se trata de uma simples reunião para shows, mas
sobretudo da produção de músicas novas em estúdio.

"Segredos do Chão", seu recente trabalho, tem os atributos necessários
para agradar aos admiradores do grupo, ou seja, poucas elucubrações
técnicas, não se escora em nenhuma vertente do rock progressivo
clássico e as raízes brasileiras continuam presentes, não só na
sonoridade, mas sobretudo no canto aprazível em português. A formação é
muito coesa, contando com Estevão Kalaany - guitarras e violões, Benigno
Sobral Jr. - baixo, vocais, violões e teclados, Roger Troyjo - vocais,
Ricardo Stuani - bateria, Marcos Vita - teclados e vocais. Temos ainda
a participação especial do tecladista Allex Bessa, da banda Tarkus,
executando inúmeras passagens ao longo do disco.

"Arcabuzes" é a música de abertura e diria que trata-se de uma excelente
escolha por parte do grupo, pois não deixa dúvidas ou expectativas do
que a banda produzirá em termos sonoros. Obviamente que a mesma não
esgota os limites musicais da banda, mas apresenta um escopo muito bem
delineado do que encontrar-se-á durante a execução do disco, ou seja,
músicas de curta/média duração(a obra é composta por onze faixas),
bases em violões, bons vocais, linhas de baixo muito criativas e bem
executadas, solos de guitarra incidentais e chorados, bases discretas
nos teclados e sobretudo letras acima da média para os padrões
nacionais.

A segunda composição, "A Seu Tempo", é marcada por um interessante rif
de guitarra na abertura e que pontua a música sempre nas pausas dos
vocais. Destaca-se o solo de teclados ao fim da canção, muito atraente,
mas infelizmente deveras curto. É comum atribuir semelhança entre os
vocais de Jon Anderson e do Roger Troyjo e isso realmente acontece de
fato, mas que fique claro, no seu trabalho junto à banda cover Yesongs
Compacta Trio. Se para cantar nesse grupo cover ele persignou-se diante
do líder e vocalista do Yes, após a audição de "A Seu Tempo" fica
transparente que essa semelhança se dissipa por completo na banda Nave,
já que seu timbre ganha mais personalidade, provavelmente por cantar em
português. É interessante notar que devido à temática proposta pelo
grupo, seus vocais acabam por se aproximar em demasia do estilo de
outro mestre, o nobre Beto Guedes, aqui deve-se fazer um enquadramento
necessário, já que a escola mineira possui uma presença muito forte na
proposta musical da banda, desde as bases acústicas, passando pelas
linhas melódicas e estruturais e desaguando no teor das letras.

A marcação da mpb de qualidade continua em "Águas Claras", sem dúvida
uma das melhores de todo o trabalho, o refrão é deslumbrante na voz de
Roger, difícil ficar impassível e não cantar junto com ele - "Águas de
luz, pedras e ar/Rio, da montanha, desceu pra me levar", outra
referência que perpassou a minha mente nesse momento foi Kleiton e
Kledir que sempre deram um recado brilhante através de sua música com
forte conotação regional. Na sequência temos "Paralelas Marginais",
conduzida por um dedilhado mágico de Estevão, reproduzindo a sonoridade
típica do bandolim, através das cordas da guitarra portuguesa,
instrumento raro na discografia progressiva nacional. Ao ouvir essa
música com atenção, nota-se algo de valoroso no instrumental do grupo,
são os baixos de Benigno, trata-se de um músico de mão cheia que domina
completamente seu instrumento e se existe algo que aproxime a
musicalidade do grupo aos grandes panteões do progressivo inglês, tal
característica se deve exclusivamente às linhas de baixo.

"Sobrevôo" é uma das mais longas do disco, aproximadamente sete minutos
e com certeza a mais progressiva, muito disso se deve à presença do
sintetizador, não somente em alguns momentos. Ao contrário das outras,
a sua presença ocorre durante todo o desenvolvimento. O primeiro set
instrumental no meio da música é reluzente, reproduzindo o refrão vocal
com muita sensibilidade e sinfonismo. Já no segundo set instrumental
ocorre um movimento quebrado do baixo, com um solo de guitarra rasgando
a alma, culminando num breve solo de sintetizador, que possibilita a
passagem aos vocais entoando mais uma vez o belíssimo refrão. "D'Alma"
é um pequeno número instrumental para violões, de certa forma achei um
tanto apagado, soando mais como uma forma de dividir o disco, ou seja,
uma espécie de pausa, a rigor a harmonia linear é que transmite essa
idéia, se tivesse algo mais forte, movimentos mais bruscos, um solo
mais enfático ou algo parecido chamaria mais a atenção, algo na linha
de “Moddy For a Day”, por exemplo, mas isso fica um pouco distante
aqui. Mais uma vez o baixo é quem rouba a cena, apesar do instrumento
principal ser o violão. As tintas mais intensas e dramáticas do Nave
estão presentes na música que nomeia a obra. "Segredos do Chão" exige
uma performance mais comovente do Roger, que desempenha essa função com
maestria, além dos ótimos vocais temos o mais longo solo de guitarra da
obra que estão um aço, vale notar que o encerramento desse solo em
harmonia com os violões e baixo reproduzem uma guinada forte muito
interessante na música, diminuindo a cadência para o retorno dos
vocais. Esse tipo de movimento é uma característica da banda, onde se
atinge um ápice instrumental que diminui a intensidade aos poucos,
permitindo a entrada absoluta dos vocais, principalmente nos números
mais longos e sempre causa um efeito agradável.

"Vertigens" e "Longe Daqui" são composições com estruturas semelhantes,
em que as guitarras e teclados descansam, dando passagem à boa
dobradinha violão/baixo. A natureza, tema recorrente do grupo é
abordada novamente em "Céu de Cachoeira", onde os teclados já dão as
cartas logo na introdução, lembrando algumas passagens que remetem aos
bons tempos do 14 Bis, outra bela composição do grupo. A obra finda com
"De Uma Vez", mantendo o equilíbrio e coerência musical do disco. O Nave
manteve-se fiel ao estilo musical proposto, não se preocupando em fazer
rock progressivo clássico, não se atendo em paradigmas ou fórmulas
pré-concebidas. Sabemos da reconhecida competência dos músicos e da
tranquila capacidade que possuem em executar passagens complexas e
intricadas, porém o direcionamento sonoro em que optaram seguir foi
outro, mais fincado na raiz brasileira(isso também é louvável),
trazendo novamente à baila a velha escola mineira de nomes tão
importantes como Beto Guedes, 14 Bis, Lô Borges, Som Imaginário e
Sagrado Coração da Terra. Juntando-se a eles, outras referências
sonoras capazes de avivar nossas reminiscências são A Cor do Som,
Projeto Caleidoscópio, Márcio Rocha, Kleiton e Kledir e os mestres
nordestinos Zé Ramalho e Lula Côrtes, principalmente pela profusão de
violões.

Esse mix de referências acima, remonta de certa forma o que encontramos
nesse "Segredos do Chão", registro digno da boa musicalidade brasileira
e mesmo a ausência de uma suíte ou de uma música mais referencial não é
capaz de obumbrar o brilhantismo desse trabalho. Torcemos para que o
Nave tenha voltado para ficar e que siga germinando bons frutos.

P.S. Resenha dedicada ao músico Estevão Kalaany, pela inspiração e boa
música.
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