Ouvi uma vez e coloquei na prateleira
Esse dvd traz a última apresentação em que os integrantes originais do Beach Boys se uniram para um show em solo britânico, tocando ao ar livre para um público de quarenta mil pessoas. Brian Wilson(piano/vocais), Mike Love(vocais), Carl Wilson(guitarra/vocais), Denis Wilson(bateria/piano/vocais), Alan Jardine(guitarra/vocais) e Bruce Johnston(piano elétrico/baixo/vocais) e mais o suporte de quatro músicos: Ed Carter - guitarra, Joe Chemay - baixo/vocais, Bobby Figueroa - bateria/vocais e Mike Meros - orgão/sintetizadores, estavam sendo aguardados ansiosamente para fechar a noite do festival nas proximidades do castelo da cidade de Hertfordshire na tour do álbum "Keepin' The Summer Alive", lançado na Europa com relativo sucesso três meses antes.
A introdução é muito interessante, com fotos saudosas do grupo nos anos sessenta, tendo como pano de fundo "Good Timin" em meio ao comentário de Alan Jardine sobre essa noite memorável no Reino Unido. Em seguida somos levados diretamente ao ano de 1980, com a chegada do grupo ao palco sendo saudado histericamente pela platéia. Bruce Johnston prenuncia que vai aquecer o público inglês com um pouco de música da Califórnia e a banda emenda com a famosa balada "California Girls", soft rock característico com baixo, guitarra e teclados apenas marcando para os vocais. A representação máxima da ingenuidade do rock sessentista está retratada nessa música.
"Slopp John B", provavelmente a música que mais me agrada da discografia do grupo surge sobre o comando dos vocais de Brian Wilson e seu belo piano na introdução com aqueles backing vocals agradáveis, característica marcante do Beach Boys. Mesmo sendo uma música reta, a tonalidade emocionada nos vocais de Wilson a tornam um dos grandes clássicos do grupo, sendo muito admirada pelos seguidores dos californianos. "Darlin'" deixa claro que o instrumental mais elaborado não tem vez nas composições do grupo, onde a importância vocal sempre sobrepuja o desenvolvimento instrumental, mesmo com um staff numeroso de instrumentação no palco.
O primeiro solo de guitarra chega apenas na introdução de "School Days" e só chama atenção justamente pela ausência do mesmo nas músicas anteriores do que propriamente pela qualidade. Extremamente simples, linear e sem nada de especial. Algo que George Harrinson e Eric Clapton sempre fizeram de forma muito mais apurada que os Beach Boys. A apresentação continua se desenrolando com as músicas de baixa duração, afinal de contas são mais de vinte num espaço de sessenta minutos sem muitas variações. Em "Good Only Knows" temos um ostinato peculiar de Brian Wilson nos pianos, mas o que para os fãs do grupo é um grande momento, simplesmente percebo de forma entediada.
Com o transcorrer do show, mesmo com uma sequência generosa de hits do grupo, destacando-se "Surfer Girl", "Get Around" e "Surfin' USA" fica perceptível o quanto a banda já estava totalmente datada para os padrões oitentistas, executando o mesmo tipo de música que fazia há mais de quinze anos. Posso afirmar que é difícil de empolgar ouvintes com graus de exigência mais elevados, ficando apenas o saudosismo de poder ainda sonhar, ou melhor, surfar nas músicas do Beach Boys, onde a rebeldia mais irisada dos anos sessenta ficava ainda mais radical por ouvir o rock do grupo da Califórnia. Já em oitenta, ouvir a banda com essa percepção soava totalmente anacrônico, principalmente num evento ao ar livre. Assistindo a esse show fica fácil de compreender porque os Beatles resolveram eliminar as apresentações ao vivo, de forma precoce, em sua magistral trilha de sucesso. Até nesse quesito, ou seja, o da percepção da hora certa de evitar a exposição exagerada, eles mostravam estar a frente do seu tempo.
Interessante que a magia do grupo parece ter ficado contida nos discos originais fabricados em vinil, pois considero as versões originais bem mais contagiantes que as apresentadas nessa apresentação medíocre. Nem "Good Vibration", o maior clássico do grupo, foi capaz de causar impacto, principalmente àqueles que estão acostumados com uma sonoridade mais sofisticada. É verdade que os amantes do Beach Boys certamente vão se deliciar com os acordes iniciais e o refrão marcante dessa composição, mas com sinceridade, creio que fica realmente restrita àqueles que cresceram ao som do grupo, aos estudiosos da fase inicial do rock e para todos que curtem o rock básico intimamente ligado aos primórdios dos anos sessenta, previamente influenciado por nomes como Jerry Lee Lewis, Little Richards, Chuck Berry e obviamente Elvis Presley.
Existe uma aura mítica em torno do Beach Boys que não possuo competência suficiente para explicar ou entender. Nesse evento, ao ar livre em solo britânico, para se ter uma idéia da grandiosidade e força da banda, alguns dos artistas de abertura foram nada mais, nada menos que Mike Oldfield e Santana. Lembro-me bem quando Brian Wilson esteve no Brasil, por ocasião do TIM Festival em novembro de 2004, ocorreu um frisson tão grande por parte da imprensa e do público, que os alemães do Kraftwerk passaram quase desapercebidos e ofuscados. Se não fosse pela apresentação espetacular dos homens-máquina, com certeza o incenso seria destinado integralmente ao músico americano.
Acho muito para uma banda, que mesmo levando-se em consideração a sua época, voltando no tempo e analisando contextualmente o seu auge na década de sessenta, não possuía a atitude dos Rolling Stones, a genialidade dos Beatles, a ousadia dos The Doors e muito menos o rock refinado dos Moddy Blues. Isso fica ainda mais latente assistindo ao show contido nesse dvd. Infelizmente devo ser franco, foi difícil chegar ao fim numa tacada só. Assistir esse show na íntegra sem ficar enfastiado, somente para os amantes do rock básico e convencional, sem falar nos fãs do grupo e posso dizer sem maiores preocupações com o uso do trocadilho: esse dvd do Beach Boys não é a minha praia! |
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