Ashtar - Urantia - Progbrasil

Ashtar

Brasil




Titulo: Urantia
Ano de Lançamento: 2002
Genero:
Label:
Numero de catalogo: RSLN 079

Revisto por Gibran Felippe em 22/04/08 Nota: 7.5

 

Bom, mas com ressalvas

Não é todo dia que nasce num país latino americano bandas correlatas com Gathering, Nexus, Karnataca ou Mostly Autumn, nem calcada em referências
sonoras irisadas, tendo o folk pesado como prato principal, aliado a toques de metal gótico e black metal. Pois bem, os brasileiros do Ashtar executam algo exatamente desse tipo. Já na introdução temos uma sonoridade inspirada no espírito celta, esse prenúncio nos sons naturais e nas badaladas de "An Oidhche Dhorca" permeiam toda a obra, com sopros de flauta que denotam a essência dessa cultura.

A formação do grupo em "Urantia" é dada por: Fernanda Mesquita - vocais, Luiz Garcia - guitarras e flauta, Pedro Salles - baixo, Thiago Guimarães - violão e guitarra, Daniel Dobbin - bateria e Breno Aouila - teclados. Além deles, temos como músicos convidados Anderson Muniz na gaita de foles, Clota de Oliveira nos violinos, Monika Brehm como narradora do texto na música "Urantia" e Perazzo nas percussões de "Arriving At Skye". Essa consistente formação possibilitou que tal obra realmente tivesse uma sonoridade diferenciada e com várias alternativas dentro do contexto musical proposto. A música "Urantia" (nome cósmico do planeta
Terra), apresenta esse vigor e traz à tona, praticamente, todos os elementos que iremos encontrar na sonoridade do grupo durante a audição desse trabalho, assim como seu conceito pautado na força da Terra, capaz de manter-nos aprisionados como escravos e ao mesmo tempo nos conceder a liberdade. A narração chega em tintas épicas muito bem conduzida pela Monika, com belos dedilhados de violão ao fundo, numa suavidade regozijante em conjunto com o suspiro da gaita de foles. A quebra dessa estrutura é feita de forma competente com a introdução dos teclados e da bateria, surgindo um backing vocals muito belo da vocalista Fernanda
Mesquita durante os minutos iniciais da música. "Urantia" é a mais longa música do álbum, quando a ouvi pela primeira vez no cd, percebi o quanto sua versão de estúdio estava diferenciada para a que havia assistido ao vivo.

Aliás, vale a pena abrir um parênteses sobre a primeira apresentação do grupo no Canecão, nessa ocasião quase ninguém conhecia o trabalho do Ashtar e foi o primeiro contato com a banda. Sinceramente, a impressão não foi das melhores, já que o Ashtar optou por fazer um show extremamente pesado, talvez pela insegurança de deixar a platéia entediada com passagens mais acústicas. É sempre assim, na dúvida opta-se pelo peso, pela fórmula mais viável, pela empatia que o metal causa ao público e mesmo sendo a banda principal da noite (Wishbone
Ash), autênticos expoentes do hard, essa estratégia do Ashtar não foi muito bem digerida, principalmente pelo público progressivo que lá estava presente, afinal de contas, se tratava de uma banda de um selo de rock progressivo e não de metal gótico. Por conta de algumas manifestações, dias depois dessa apresentação, criou-se uma polêmica entre o essencialmente progressivo e o que poderia se misturar a essa essência em eventos ao vivo, ou seja, muitos chegaram à conclusão que o prog clássico necessitava de tintas metálicas para arrebanhar um novo público e continuar viável economicamente, afinal de contas, essa era uma tendência mundial e porque o Brasil não seguiria a mesma? Outro fator que pode ter gerado o excesso de peso, talvez esteja relacionado às péssimas condições de passagens de som que as bandas de abertura sofrem, em qualquer festival do mundo, mas no meu íntimo creio que isso não foi o que de fato ocorreu, sendo o peso um atributo escolhido até mesmo para quebrar o gelo e o nervosismo de tocar em público pela primeira vez e no palco de uma casa tão tradicional como o Canecão. Convenhamos, o Ashtar não possuía a menor experiência para esse evento
da mesma forma como ocorrera com outras bandas competentes, tais como o Cactus Peyotes e o Octophera. Foi jogada aos leões, mas pelo que se ouviu depois, acho que passaram no teste, porque também tivemos o outro lado da moeda, composto por um público que admirou aquele show.

Por conta de não ter gostado da barulheira do grupo naquela ocasião, demorei para adquirir o cd, mas diante de tantos comentários positivos, da ascensão fulminante do grupo chegando até mesmo a fazer apresentações internacionais com relativo sucesso, fui atrás para colocá-lo em minha coleção e ao ouvir "Urantia" pela primeira vez, como estava dizendo, fiquei completamente aturdido, pois a versão de estúdio é muito superior ao que ouvi no Canecão, mas muito superior mesmo, sendo possível identificar toda a instrumentação. As guitarras não estão tão pesadas e a rigor, possuem até mesmo pouco destaque durante a música, sendo notada na parte final e com acordes bem delineados e sinfônicos, nada daquela zoeira ensurdecedora do show, nada mesmo. É verdade que nos últimos dois minutos da música temos um certo exagero, porém o mesmo sofre uma intervenção acústica de um violão que é absolutamente mágica e propícia, fechando novamente com os vocais da Fernanda. Grande música e um abre-alas adequado para um cd de estréia. Vale ressaltar que no Canecão sequer conseguíamos ouvir o violão ou qualquer coisa do tipo e convenhamos que uma banda de folk que se preze deve ter essas
passagens acústicas em profusão e no caso do Ashtar elas existem e muito em sua obra, só não foram levadas ao show.

"Urantia" é o único trabalho do Ashtar até a concepção dessa resenha. Pelo reconhecimento que o grupo adquiriu com essa obra, já era tempo de um novo lançamento, fico pensando... será mais uma das que engrossarão as estatísticas dos grupos de um disco só? A propósito, são milhares no mundo progressivo. Espero que não, pois influências da cultura celta não são comuns em terras tupiniquins e ouso dizer que o grupo é único nesse estilo em nosso país e isto já é um grande mérito.

Voltando ao disco, destaco "Druid Dream" que possui um violão magnífico, nesse folk que enaltece a magia dos druidas e seres habitantes das highlands. A flauta também puxa o carro num rif bem interessante em conjunto com a bateria e o violão. Particularmente o que não me agrada muito nessa música são os vocais da Fernanda, soam muito embolado e sempre que ocorrem andamentos velozes, ela acaba perdendo a força de sua voz e o seu inglês fica praticamente incompreensível, por incrível que pareça nem os vocais guturais incomodam-me, mas não entender nada do que a vocalista canta deixa a música confusa, até mesmo por abordar
temas altamente conceituais.

"Children Of The Mist" é a música que considero melhor no disco, possui um set instrumental muito denso e bonito, onde o violino impõe a dramaticidade e tensão necessária na abordagem das guerras dos highlanders, personagens míticos da cultura escocesa, imortalizados no filme de mesmo nome que alçou o fraco ator Christopher Lambert a astro da noite para o dia, muito disso se deve à companhia exuberante de sir Sean Connery na película. É possível identificar em off, nessa música, ruídos muito bem colocados de uma batalha campal e aqui a Fernanda
desempenha o que considero excelente... suspiros em forma de coral, afinal de contas, a sua voz é muito bela. Necessita apenas ajustar o canto das letras em inglês, parece-me que ela não fica tão confortável quando está pronunciando as letras da mesma forma que arrebenta nos seus longos solos vocais, apenas com a sonoridade de sua voz. Pra ficar claro para aqueles que não conhecem tal trabalho, quando a Fernanda executa trechos a la Annie Haslam na música "Prologue" o resultado fica excelente!

A segunda metade do disco não é tão boa quanto a primeira, principalmente porque a banda descamba para o estilo Evanecense e afins. De qualquer forma, esse vigor tem um público certo e agrada em cheio àqueles que curtem essa sonoridade típica dos anos noventa. O arquétipo da Fernanda Mesquista é semelhante às vocalistas oriundas das bandas de metal gótico e black metal da Europa, com longas madeixas
negras e lisas, pele muito alva e olhos claros. Esse fator pode ter gerado uma certa empatia cem essa fusão existente no metal gótico, sem dúvida outra boa jogada da banda. "Oblivious Scars" e sua temática existencialista possui tais características, sendo conduzida por um rif pesado de guitarra e uma bateria nervosa. O mesmo ocorre em "Nemesis", mas nessa a flauta está presente na maior parte do tempo e os vocais são mais lentos, notando-se que a guitarra cede espaço para os violões durante os cantos da Fernanda. Os teclados incidentais também estão muito bons, porém acho que o grupo poderia explorar um pouco mais as teclas, afinal não temos nenhum solo sequer de teclados ao longo do álbum, o único momento de destaque ocorre justamente em "Nemesis" e possui curta duração. Outro ponto a se destacar são os vocais guturais que aqui não são mero coadjuvantes e aparecem com destaque nos trechos mais pesados, fazendo um interessante contrataste com o timbre angelical da Fernanda.

O encarte está muito caprichado, contendo a letra e o conceito envolvido em cada música, com destaque para a bela presença da Fernanda Mesquita. Mais uma vez fica claro que o seu arquétipo em tudo nos remete à série de vocalistas que tanto encanta o público jovem europeu, propiciando a aceitação do grupo por aquelas bandas. Acredito que o Ashtar tenha iniciado a sua trajetória musical de forma oficial com o pé direito, entretanto ainda falta a consistência natural que só chega com o passar dos anos e novos trabalhos, por isso imagino que o grupo ainda tenha algo mais a dizer e que não finde apenas com essa grata surpresa denominada "Urantia".
Progbrasil