Discoteca básica, fundamental
Discoteca Básica, fundamental.
Se o Japão foi um dos grandes responsáveis pelo investimento e manutenção na cena progressiva a partir da década de oitenta, pode-se considerar que 'A Story Of Mysterious Forest' foi um dos pilares fundamentais a compor essa nova ordem voltada para o oriente, afinal de contas, mesmo com os diversos lançamentos em vinis dos medalhões setentistas produzidos no Japão, fica complicado uma cultura sobreviver sem ídolos locais. Este lançamento de 1980 completou este aspecto, ainda mais se levando em conta a imensa qualidade das composições e execução instrumental.
Acontece, ainda hoje, que a cena japonesa à vista dos incautos suscite algumas dúvidas quanto ao seu teor progressivo, já que muitos pensam que o rock japonês é sinônimo tão somente de Kitaro e outros do gênero. É comum imaginar que devido aos traços culturais calcados na meditação, reflexão e paciência oriental, a musicalidade dos grupos pudessem ser sinônimo de um ramerrão por completo, sem a força que muitas vezes a sonoridade progressiva exige.
Esta dúvida é dissipada logo de imediato na primeira faixa do disco. Com a frenética 'Crossfire', apresenta-se uma quebradeira digna de nomes como ELP e Focus, onde a velocidade dos acordes nos teclados, dos solos de guitarra e principalmente das viradas de bateria deixa vívida a percepção do grande talento dos músicos japoneses.
A formação do grupo nesta obra debutante consiste em Yozox Yamamoto - guitarras, Masey Hattori - teclados, Masahiro Torigaki - baixo e Hiroshi Natori - bateria. Interessante perceber no encarte da edição em cd pela Spalax a seguinte advertência: 'A música contida neste cd não foi feita para dançar, mas basicamente para se ouvir.' Só em ouvir o segundo número executado integralmente ao violão de Yamamoto essa referência já fica óbvia.
A miscelânea de estilos vai se clarificando com o desenvolvimento do disco, em que a sonoridade canterburyana se destaca em meio a uma atmosfera sinfônica a la Camel, azeitada por um jazz prog de primeira grandeza, sempre a cargo do trio piano, baixo e bateria. Só em utilizar de forma requintada estes elementos já torna o Ain Soph um grupo original e ímpar no cenário progressivo, soma-se a isso o fato de ser oriundo do extremo oriente, então o inesperado toma conta dos ouvintes. A influência do jazz rock fica mais clara nos temas iniciais, muito se deve ao estilo do baterista Hiroshi Natori que bebeu na melhor fonte que poderia. Não há equívocos em afirmar, com tranqüilidade, que se trata de um dos dez melhores bateras oriundos da década de oitenta. 'Natural Selection' prima por uma gama de improvisos ao piano de Masey Hattori que são realmente soberbos, dando a deixa após cinco minutos de intensa energia para um solo de guitarra matador, até o loop de retorno ao tema inicial altamente canterburyano.
A quebradeira segue com força no número seguinte, 'Variations On A Theme By Brian Smith', vale destacar o solo de violão em meio a uma bateria hiper frenética logo aos dois minutos de música. Na seqüência os teclados assumem o comando de forma sinfônica, com profusão de mellotron, alterando todo o movimento para uma levada nervosa no baixo que só finda para outra grande seqüência jazzística de tirar o fôlego.
Após estas duas faixas de grande envergadura musical, eis que surge a suíte que intitula a obra, para aqueles que curtem uma sonoridade jazzística ortodoxa, provavelmente a suíte não será de todo agrado, produzindo um menor interesse na audição da obra, pois a quebradeira vista antes dá lugar para um número progressivo clássico. Dessa forma, os amantes do progressivo convencional e sinfônico podem lavar a alma no desenvolvimento dos dezoito minutos dessa estupenda suíte, uma das mais deslumbrantes produzidas no Japão em todos os tempos. Aqui é que o grupo finalmente se aproxima do Camel, pois até então havia praticamente nada que se relacionasse ao medalhão inglês, logo quando alguém citar a similaridade entre os grupos, nunca pense nesta obra de forma integral, para evitar dissabores, mas sim na suíte 'A Story Of Mysterious Forest' somente. Esta similaridade fica latente pelo estilo que Hattori imprime nos mais diversos timbres de teclados que se aproximam bastante com as bases de Peter Bardens. O mellotron no movimento 'Darkness' é um absurdo, de uma beleza e profundidade rara, que vai sumindo, sumindo, sumindo... até a retomada pelos violões no movimento seguinte. Nesta música o trabalho do guitarrista Yamamoto também é maravilhoso, seu estilo encontra referência nas cordas latinas da Itália, tais como do grande Franco Mussida, mas nos solos também mostra influências de Steve Hackett. Já não percebo similaridade com as guitarras de Andy Latimer, por isso que a aproximação com Camel fica muito mais visível pelos teclados.
O grupo ainda se encontra na ativa e em 2004, durante a passagem do emitente grupo francês Zao de zeuhl, rio e fusion pelo Japão, numa turnê histórica de reunião, o show de abertura acabou sendo muito mais badalado justamente por contar com a presença marcante do Ain Soph, um dos principais responsáveis pela explosão progressiva nipônica nos primórdios dos anos oitenta, onde considero 'A Story Of A Mysterious Forest' a mais brilhante página escrita nesta ocasião. |
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