Discoteca básica, fundamental
Discoteca básica, fundamental.
O piano de Gianni Nocenzi! É impossível iniciar a resenha deste dvd sem aludir ao magnífico piano executado pelo irmão menos famoso. Banco Del Mutuo Soccorso sempre foi sinônimo de apresentações memoráveis. Em 2000, os próprios brasileiros tiveram a oportunidade de conferir uma performance do grupo, num dos melhores shows progressivos que este país já teve em todos os tempos, porém naquela ocasião Gianni Nocenzi já havia deixado a banda fazia algum tempo, essa perda na formação clássica é justamente preenchida com a audição deste dvd.
O show ocorreu no Assemblea Teatro, num período em que o rock progressivo clássico dos anos setenta estava entrando nitidamente no seu ocaso, entretanto assim como outras bandas, o Banco Del Mutuo Soccorso estava procurando uma nova orientação sonora, diferenciada dos primeiros e aclamados discos, mas não menos virtuosa e com excesso de emotividade, num momento em que o grupo se afirmou com originalidade, destacando-se o lançamento de álbuns como 'Canto Di Primavera' e 'Di Terra'. Este show apresenta exatamente essa fase com a vantagem de termos o piano forte de Gianni Nocenzi, ao lado das barbaridades que seu irmão Vittorio executa nos teclados.
A abertura do evento ocorre de forma apoteótica, com saltimbancos saudando o público em generosas pernas de pau, o encarte do dvd mostra exatamente este momento, para em seguida começar uma sonzeira de arrepiar na introdução de 'Di Terra'. A formação para o show é composta por Vittorio Nocenzi nos teclados e sintetizadores, Gianni Nocenzi no piano, Francesco Giacomo nos vocais, Rodolfo Maltese nas guitarras e sopros, Pierluigi Calderoni na bateria, Gianni Colajacomo no baixo e Karl Potter nas percussões. Assim como tradicionalmente ocorre na maioria dos shows, a introdução é totalmente instrumental, sem a presença do vocalista no palco. O destaque fica por conta do número ao piano de Gianni Nocenzi, assim como dos belos solos de Maltese.
'Garofano Rosso' inicia-se já com Giacomo ao palco e muita energia. Algumas tomadas do teatro mostram que o mesmo está completamente abarrotado, mas fica claro que a energia do palco se contagia o público, não se percebe, pois todos ficam quietinhos nos seus lugares, completamente diferente do que ocorreu no Brasil, que só faltou mesmo a invasão para congratular os mestres do progressivo italiano. Maltese mostra que está de fato inspirado e manda mais alguns solos maravilhosos, além da magistral performance de Vittorio Nocenzi, tanto na base, quanto nos solos de teclados. Na seqüência uma das mais belas canções da banda, 'E Mi Viene Da Pensare'. Aqui se percebe que mesmo Gianni fazendo um excelente trabalho ao piano, quem de fato dá as cartas é Vittorio, pois toda a execução ficou a seu cargo. Os efeitos de percussão realizados por Calderoni produzem uma vibração intensa, aliada à trompa, que se assemelha ao som do mellotron, executada por Maltese. Todas as versões de 'E Mi Viene Da Pensare' são de arrepiar e muito se deve à magia do piano de Nocenzi que nesse número em especial efetiva uma série de improvisos melódicos deslumbrantes, um gênio!
Depois desse interlúdio sentimental, o grupo retorna à configuração inicial com a quebradeira a toda prova na execução de 'R.I.P' num tempero suingado bem interessante. O detalhe dos irmãos Nocenzi realmente impressiona pelo sincronismo no tempo das notas, altamente entrosados na execução. Aqui mais uma vez entra em cena o piano de Gianni Nocenzi, só mesmo ouvindo... A seguir mais um número do 'Canto Di Primavera', a belíssima 'Interno Città', que se inicia com figuras teatrais ao fundo do palco através de lentos movimentos. O instrumental está um absurdo, mas o melhor mesmo, neste momento, são os vocais de Giacomo, este sentimentalismo enraizado na sua voz fica muito latente durante as execuções das músicas do 'Canto Di Primavera', sem dúvida que a voz vem da alma ante a garganta! 'Capolinea' se inicia com um solo de Calderoni, acompanhado pelas percussões de Karl Potter, é a deixa para a apresentação do grupo por parte de Giacomo e também para um desfile assombroso de diversos números solos dos irmãos Nocenzi, mais uma vez a se destacar o piano de Gianni Nocenzi. 'Il Ragno' enfim levanta o frio público italiano! Neste momento já começa a ficar difícil exprimir em palavras a satisfação de assistir a uma apresentação do Banco Del Mutuo Soccorso, é algo de memorável de fato.
Existe um certo chauvinismo em diversos apreciadores de rock progressivo relacionado ao universo italiano, como se fosse algo apartado, uma história distinta e insuperável, fazendo com que se busque esgotar todo este imenso universo antes de explorar outras fronteiras, como se a Itália fosse sinônimo da mais pura riqueza musical e primazia no gênero progressivo. Muito disso se deve justamente ao Banco Del Mutuo Soccorso, a qualidade deste grupo não cabe em palavras e todos os elogios possíveis ainda serão poucos para descrever o sentimento de se ouvir o transbordamento musical destas figuras sublimes. Uma grande vantagem deste dvd é que possui músicas de todos os discos do grupo até 1979, traçando um panorama adequado de toda uma década musical. 'Io Sono Nato Libero' também não poderia ficar de fora e veio representado por uma versão estupenda de 'Nom Mi Rompete'.
O encerramento fica a cargo de 'Circobanda' com os pernas de pau invadindo literalmente a platéia, ao fundo o delicioso trompete de Maltese. O dvd também traz uma longa entrevista com a figura de liderança do grupo - Vittorio Nocenzi. Mas a sensação que fica, ao assistir esta obra, é da enorme contribuição de Gianni Nocenzi para a solidificação lendária do Banco. Ah, o piano de Ginni Nocenzi!
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