Fantástico, vai rolar direto no meu som
Fantástico, Vai Rolar Direto No Meu Som
É inegável que, para um disco de estréia, estamos diante de um trabalho entusiasmante que possui força e já demonstra a preciosidade dos vocais do então jovem Jon Anderson, bem como talento e força para composições elaboradas e de porte, vide a estória marcante de 'Harold Land' com os dilemas, frustrações, agonias e êxtase de um soldado diante de sua participação numa guerra. Além desta, deve-se destacar a maturidade instrumental de 'Survival'.
Mas retornando a 'Harold Land', creio que qualquer crítica mais acintosa com respeito a esse disco, de certa forma perde efeito diante do primor dessa música. Existe um casamento perfeito entre letra e instrumental, já na introdução segue-se um dedilhado com batera e hamond marcante típico de convocação e os vocais iniciais chegam em tom de lamento, já que o soldado necessita rapidamente dispensar suas despedidas de tudo que ama para ir ao combate. A tensão musical cresce sobremaneira quando os soldados estão marchando na chuva, imposta pela linha pesada do baixo de Squire que é definitivamente matador e inúmeras quebradas de ritmo de Bruford. Essa tensão predomina até o momento de retornar ao lar, onde temos o ápice vocal de Jon Anderson. Numa retomada do movimento inicial, chegamos à rotina do lar do ex-combatente que não consegue mais exprimir amor por nada, após tantas marcas recebidas durante a guerra, culminando com a frase emblemática 'Theres no heart in Harold Land' e um solo de guitarra sutil de Peter Banks. Se notarmos com minuciosa atenção, fica perceptível que estamos diante de uma construção com introdução, desenvolvimento, clímax e desfecho conforme a evolução instrumental diante das passagens vocais e sinceramente esse tipo de composição não pode ser considerada um mero acaso ou inspiração fugaz de rapazes que ainda pretendiam adquirir seu espaço, representa muito mais, representa a força de uma neófita banda que seria capaz de criar obras-primas mais adiante, além do mais, o Yes exortou seus ouvintes na busca de uma visão pacifista de mundo. Talvez o erro de julgamento do público em geral e de alguns críticos mais ferrenhos se deve ao fato de conhecerem o Yes de forma anacrônica, dos clássicos dos anos setenta para retornar às obras iniciais, numa situação de resgate às origens da magistral banda que havia produzido obras como 'The Yes Album', 'Fragile' e 'Close To The Edge', criando uma percepção frustrante com relação ao primeiro disco.
A formação neste primeiro Yes é Jon Anderson - vocais, Bill Bruford - bateria e percussão, Tony Kaye - teclados, Peter Banks - guitarras e Chris Squire - baixo. Como a maior parte das bandas iniciantes, o Yes do fim da década de sessenta costumava executar números de seus ídolos e dois deles podemos encontrar nesse álbum, o primeiro é 'I See You', versão sublime do petardo de CS&N com destaques para o show de categoria da bateria de Bill Bruford, numa levada bem jazzística e para a jam session conduzida pela guitarra de Peter Banks em meados da música com diversos improvisos. Esse desenvolvimento diferenciado de temas de outros artistas ficaria marcado pelo Yes, um pouco depois na formação mais clássica do grupo com a versão deslumbrante de 'America'.
'I See You' apresenta a estética que o Yes recria para o flower power, mostrando um leque de variações que poucas bandas dos anos sessenta foram capazes de desenvolver. Nesse primeiro disco do Yes temos absolutamente essa mistura entre a sonoridade característica dos anos sessenta, inclusive com os dois covers já citados, com sonoridades modernas e evoluídas apontando para possibilidades futuras.
Há de se destacar a qualidade da participação de Tony Kaye e a sua substituição por Wakeman após o 'The Yes Album' não pode apagar de modo algum os belos teclados contidos nessa obra, que por muitas vezes, como nos temas 'Looking Around' e 'Survival', determinam o tratamento progressivo ao disco. O oposto reside justamente em Peter Banks, mesmo mostrando nítidas qualidades, possui um estilo de guitarra muito usual e comum aos congêneres dos anos sessenta, não trazendo nada de novo e nem propiciando atmosferas ousadas, ou seja, rezando exatamente na cartilha de nomes da época como Clapton, Hendrix e Page, a forte diferença na sonoridade da banda foi propiciada logo após pela entrada de Howe, que trouxe novo fôlego, audacioso e muito progressivo para o som do grupo, fugindo completamente do lugar comum relativo ao rock convencional.
Essa estréia do Yes, se não passou despercebida, também não se compara a estréias de outras bandas que foram muito mais originais e bombásticas no mesmo período, notadamente King Crimson, ELP, Black Sabbath e Gentle Giant, afinal no Yes rolou até cover dos Beatles, convenhamos algo pouco original e relevante.
Ainda sobre os Beatles, vale ressaltar que no período de lançamento do 'Yes' os quatro rapazes de Liverpool ainda estavam em plena produção e quase todos os grupos iniciantes se espelhavam no sucesso dos Beatles para agradar as gravadoras na obtenção de apelo comercial. Nessa estréia do Yes não foi diferente e quando os Beatles encerraram suas atividades essas amarras foram soltas e o pouco da maestria instrumental que surgiu nesse primeiro trabalho, diga-se de passagem já no nível dos Beatles, tornou-se abundante logo depois com o 'The Yes Album'.
Um dos momentos mais marcantes do disco está na introdução de 'Survival' com uma estrondosa cozinha levada pelo baixo de Squire e o jogo de pratos perfeitos de Bruford, além dos toques incidentais de Tony Kaye assemelhando-se à sonoridade de um leve xilofone, a quebrada segue intensa com belo trabalho de guitarra de Peter Banks, aos poucos essa vibração vai diminuindo até a completa mudança de andamento, surgindo o violão que faz a base para a entrada gloriosa dos vocais de Jon Anderson, enfim, o primeiro clássico do grupo está concebido!
Muitos se queixam da falta de atmosfera no som do Yes, principalmente os que curtem um clima mais sombrio a la King Crimson, porém Squire e cia. sempre optaram, desde esse primeiro disco, por algo mais instrumentalmente melódico, com psicodelismo clean e ousadias sonoras mais rítmicas e menos desvairadas. Aqui temos o início de uma era em que pode ser classificada como a primazia do progressivo sinfônico inglês.
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