Ótimo trabalho, disco de cabeceira
Ótimo trabalho, disco de cabeceira.
Ano - 1979. Frank Zappa lança um dos filmes musicais mais bizarros da história, porém de forma irônica ele deixa bem claro no início que não se trata de material para qualquer um, nem para grandes platéias, mas, sobretudo para aqueles que já o conhecem e entendem sua filosofia musical e política, envolta de uma atmosfera profundamente anárquica. Como o próprio filme é intitulado, se trata de 'A Movie About People Who Do Stuff That Is Not Normal'.
Para esta incrível festa, Zappa convida elementos capazes de colocar em prática suas idéias, são eles: Terry Bozzio - bateria e vocais, Roy Estrada - vocais, Adrian Belew - guitarras e vocais, Ed Man - percussão, Patrick O'Hearn - baixo, Tommy Mars - teclados, Peter Wolf - teclados, além do próprio Frank Zappa nas guitarras. Outra figura de destaque na obra é o animador Bruce Bickford.
O dvd inicia-se com 'Baby Snakes Rehearsal' em que Frank Zappa no palco coordena um tipo de ensaio geral, criticando a todos e apontando o direcionamento que deseja, nem que para isso os músicos se esmerem em repetir milhares de fraseados vocais e instrumentais. 'This Is The Show They Never See' é a introdução propriamente do espetáculo, apresentando primeiramente a construção dos efeitos de animação por parte de Bruce Bickford, com participação ativa(quase uma onipresença) de Frank Zappa, aqui já se percebe o seu caráter controlador, centralizando todas as ações. Este aspecto fica mais perceptível quando no estúdio, Zappa numa encenação de maestro, rege todos os efeitos dos sintetizadores, vocais e as viradas de bateria, a série culmina com um comentário do baixista Patrick O'Hearn relatando exatamente a forte personalidade de Zappa e como às vezes é complicado trabalhar com ele, devido à dificuldade em agradá-lo. 'Baby Snakes' apresenta os músicos à vontade no camarim, para iniciar uma seqüência em forma de clip alucinante, com todos aqueles desenhos psicodélicos, que beira o bizarro e muitas vezes tornam-se assustadores. A música é excelente, os toques psicodélicos não comprometem o andamento da mesma e curto bastante a linha de teclado do meio para o fim, quebradeira pura acompanhando as viradas de bateria.
Depois uma pausa para 'Bruce Bickford/Disco Outfreakage' explicar seu processo criativo, onde se percebe o quanto é delicada sua atividade, algo de extrema sensibilidade, porém o mais legal aqui não é esta entrevista que o Zappa conduz junto ao animador, mas os cortes para as imagens de estúdio apresentando a banda executando todos aqueles efeitos desconexos e mirabolantes com extremo rigor e controle do próprio guitarrista. Logo depois, um pouco do show em Nova York com 'The Podle Lecture' em que a loucura salta aos olhos de forma concreta, numa estranha simbiose com o público. Zappa não parece humano, é como se fosse um Deus anárquico que pousou na terra, exatamente naquele local, naquela hora e as pessoas alimentam essa divindade com um monte de bugigangas na descrição metafórica sobre a 'popularidade' de um poodle. O corte para 'She Said/City Of Tiny Lites' é abrupto dando seqüência no desfile de bizarrices, agora com uma boneca inflável, primeiramente no estúdio, mais pra frente no palco, o fato é que neste momento temos o primeiro número musical propriamente, mostrando a silhueta de todos os músicos, Terry Bozzio tocando de cuecas e o Tommy Mars acendendo um cigarro e ao mesmo tempo tocando uma barbaridade em meio àquele mundo de teclados. Um dos melhores momentos do dvd e ainda contamos com a figura radiante de Frank Zappa no centro do palco, assemelhando-se a um grande goivo diante do seu séqüito anestesiado pelo bárbaro solo de guitarra, vale destacar a exuberante performance vocal de Belew, estilo que levaria para o King Crimson logo adiante.
Uma pausa para apresentar a celebração dos fãs diante de um show de Frank Zappa em 'New York's Finest Crazy Persons' para adentrarmos em algumas particularidades do gênio americano em 'The Way The Air Smells... ' com destaque para sua interação com um acordeão numa loja de instrumentos musicais. Na sequencia temos um número de puro virtuosismo, algo que nos faz admirar muito os músicos que acompanham Zappa, as linhas improvisadas de baixo e teclados tornam 'Pound - Bass & Kybds Solo' o show um deleite para quem espera exatamente isso de um evento com essas feras. A musicalidade flui sem fronteiras e não estamos apenas diante de demonstrações técnicas, existe muita melodia, principalmente no set final em que Tommy Mars toca dois teclados ao mesmo tempo e ainda faz os vocais, simplesmente maravilhoso.
Após esse solo alucinante de teclados, temos uma deixa muito elegante para 'In You Rap/Dedication' com Frank Zappa aguçando a platéia com o questionamento 'How do You feel with Rock and Roll' e a nítida associação com o sexo, criticando aqueles que encaram o sexo/amor como o fim do mundo, como o fim das pessoas, para ele sexo é o início de tudo e deve estar em primeiro lugar! O problema é o corte musical para termos que aturar a boneca inflável novamente. O ensaio geral é tocado em 'Managua/Police Car/Drum Solo' com a presença marcante do percusionista Ed Man arrebentando, o restante é um mero teatro de horrores, aliás, sempre que o vocalista Roy Estrada aparece o negócio fica muito bizarro, só mesmo para admiradores inveterados. Assim que ele sai de cena a música rola solta, dessa vez com Terry Bozzio dando as cartas com extrema velocidade, uma de suas marcas inconfundíveis, além do magistral jogo de pratos. Aqui cabe uma advertência para aqueles que pensam um dia em tocar bateria, se o cidadão assistir a esta performance provavelmente irá optar por tocar outro instrumento, a emendada em 'Disco Boy' é perfeita e mesmo a música sendo excelente, difícil não dar atenção para o casal de góticos que interage com Zappa, rola de tudo no ofertório: hamster, papel higiênico e até uma abóbora.
'Give People Somewhere To Xscape Thru' volta ao estúdio, aqui já podemos pontuar como algo meio fora de esquadro, pois a música no palco é muito boa para as interrupções e loucuras do documentário, salvo aqueles que sentem profunda curiosidade pelo universo de Frank Zappa, a maioria se atenta mais na parte musical, que deixando-se de lado, perde em qualidade o dvd. Voltamos ao palco para a maravilhosa interpretação de 'King Kong/Roy's Halloween Gas Mask', a introdução é arrebatadora com um solo de xilofone sensacional, vale também citar o inusitado sax incidental executando alguns clássicos da bossa nova brasileiras somente com a boca pelo trombone man. A normalidade retorna com um número bem calminho, a suave 'Bobby Brown Goes Down', é senhores, Zappa também é bom nisso, mas sempre com muita ironia, afinal de contas, em se tratando dele, nada é de graça!
A seguir, mas um corte para mostrar a convivência dos músicos no camarim, algo que como explicitado num ponto anterior, não é do meu agrado. 'Conehead/All You Need To Know' é um desfile de blá-blá-blá e posturas lunáticas, difícil de acreditar que tais pessoas são capazes de produzir música em tão alto nível, Adrian Belew se mostra um completo imbecil, algumas passagens são tão estapafúrdias que soam totalmente artificiais, dando a entender que aquelas loucuras só acontecem por estarem sendo filmados, por incrível que pareça a figura mais sóbria é mesmo Frank Zappa. 'I'm So Cute/Entertainment All The Way' mais uma vez apresenta de forma insistente as mesmas animações vistas antes com a música de fundo, uma das que menos gosto por sinal, sem teclados, batida e vocais meio punk rock, não, definitivamente não me apetece. Voltamos a apresentação em Nova York com 'Titties 'N' Beer/Audience Participation/The Black Page #2 & The Dance Contest', mais uma vez no palco Zappa inicia sua louca panfletagem em forma de narração desvairada para delírio do público, pelo menos ao fundo rola uma baita sonzeira com muitos teclados. Esta é a passagem mais longa do dvd, totalizando 15 minutos, com direito a um duo de vocais teatrais entre Zappa e Bozzio.
O rock and roll frenético do genial Zappa volta à tona com a execução do número 'Jones Crusher', seria excelente se o dvd destinasse mais momentos como esse, ao invés da perda de tempo nas bobagens das gravações e camarins. Só pra se ter uma idéia, esta é somente a segunda música em toda obra que Zappa pega na guitarra... Esta sonzeira continua com 'Broken Hearts Are For Assholes', aqui com Bozzio novamente comandando os vocais de forma irada, até que sua pegada vocal cai bem pra esse tipo de música mais intensa e com estas letras absurdas, na seqüência Zappa inicia novamente os vocais em tom de narração, nesse ponto a musicalidade da banda regride pra quase nada, afinal todos precisam parar as atenções para o diálogo do guitarrista com o público, só que após duas horas de dvd, fica complicado ter paciência para aturar essa falação, assim 'Punky's Whips' nos seus doze minutos tornaria-se enfadonha se do meio em diante o grupo não resolvesse emendar numa das grandes seqüências do show, com teclados espetaculares, a bateria desenfreada de Bozzio e muitos solos de guitarra com Belew e Zappa, ficando a nítida impressão de que música para essa turma é apenas uma brincadeirinha que eles fazem somente para se divertir, tamanha facilidade e desenvoltura para executar números complexos com inúmeras improvisações, quebras de compasso e desvarios no palco. A se destacar o Bozzio neste número, parece endiabrado, beijando as baquetas, fazendo caretas, cuspindo a todo instante, olhos esbugalhados, nem se dando conta que Zappa estava apresentando o grupo para encerramento do show.
Como ocorre nestes eventos importantes, é claro que o grupo retorna de imediato ao palco para uma rodada de bis, o registro em 'Thank You/Dinah-Moe Humm' é impressionante, já que após o agradecimento ao público, a banda arregaça enquanto Zappa vai pra platéia encontrar as 'criaturas' bizarras que perpassaram durante o show, inclusive a gótica Angel que está completamente alucinada, mal se agüentando em pé, soltando o cabelo do guitarrista, parece que ele sente alguma afinidade ao lado dela, coisa pra louco mesmo, até porque enquanto rola toda essas situações dantescas, o grupo parece alheio tocando sempre com alto teor de qualidade. Para sacramentar o melhor momento do dvd, o som não cessa com a genial 'Camarillo Brillo/Muffin Man', agora com uma galera no palco, os ilustres 'convidados' do mestre Zappa que é ovacionado ao extremo, quase uma celebração ritualística. A gaita tocada por Adrian Belew cria um efeito climático muito agradável com o momento do show, permeado por cada virada do Bozzio que chega a assustar. O solo final de guitarra de Frank Zappa paga o dvd, faz-nos esquecer os momentos que não rolaram música, simplesmente maravilhoso, um completo êxtase! 'San Berd'ino' mantém o nível musical nas alturas...
O melhor solo de guitarra de Frank Zappa, acompanhado por uma base ao baixo de Patrick O'Hearn esplendorosa, ocorre em 'Black Napkins', grande música. A rigor, o show de fato rola mesmo nos últimos 45 minutos do dvd, o maior problema reside na transmissão desse filme na íntegra para dvd, o que muitas vezes torna-se inviável assisti-lo em sua plenitude, por conta da longa duração de duas horas e meia, com vários momentos realmente descartáveis. Seria interessante uma reedição em que colocasse o show na íntegra, deixando os momentos de descontração nos camarins, bem como a produção nos extras, isso tornaria a tarefa mais fácil para aqueles que estão interessados somente na musicalidade do Zappa.
Os encartes que acompanham o dvd com várias reportagens da época ajudam a entender o impacto do filme na ocasião do seu lançamento. Nos extras surgem os traillers para a apresentação do filme no cinema, além de uma curta apresentação do show antológico no Roxy em 1973 com o grupo The Mothers Of Invention. Enfim, trata-se de obra fundamental para todos os admiradores inveterados do mestre Frank Zappa, por apresentar de forma transparente o universo do mesmo, para os não iniciados em Frank Zappa recomendo um show de fato, sem interrupções, pois o nível musical de Zappa é tão elevado que provavelmente quebrará qualquer restrição no que tange as características bizarras do seu universo particular, fazendo dessa forma com que tal obra 'Baby Snakes' seja um pouco mais palatável em caso de uma audição posterior. |
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