Obra-prima, irretocável
O grupo Alas é um dos maiores representantes do rock progressivo argentino surgido nos anos 70, ainda que pese a econômica discografia, a qualidade musical dos integrantes e de suas obras ganhou aplausos em muitas partes do mundo e principalmente de alguns geniais artistas argentinos. Formado em 1974 na condição de trio em Buenos Aires, o grupo lançou este primeiro disco debutante um ano depois, partindo para uma série de concertos na capital portenha. Os shows foram altamente concorridos e prontamente o trio recebeu aclamação de público e crítica, não por acaso chamaram a atenção do ilustre Astor Piazzola, que passou a encontrá-los para incríveis jams que não foram devidamente registradas. O grande Astor afirmou na ocasião que o Alas era o primeiro grupo a transpor a mistura de rock progressivo com tango de forma eficaz e sem afetações para quaisquer dos lados. A importância destes depoimentos de um mestre como Astor, alçou o grupo ao estrelato, já que a música de Piazzola se fazia muito presente na America Latina, inclusive no Brasil, onde ele possuia admiração de diversos músicos, notadamente Chico Buarque de Hollanda que o convidara nos anos oitenta para gravar o seu programa em conjunto com Caetano, exibido pela Rede Globo de Televisão.
O Alas nesta primeira obra era composto pelo virtuoso Gustavo Moretto - piano, sintetizadores, moog, flauta doce, trompete, hammond, violino e voz, Carlos Riganti - bateria e percussões e Alex Zuker - baixo e guitarras. O estilo de Moretto é o grande condutor da música do grupo, em muito se assemelha aos grandes tecladistas italianos, com domínio completo de todos os tipos de teclados, com seus mais incríveis formatos e timbres, porém possui técnica própria, principalmente por privilegiar experimentalismos intensos, algo que passou ao largo da escola italiana tradicional.
Há uma série de questões quando se tenta classificar o Alas, entre elas:
- Aproximação ao Return to Forever e Weather Report ou ELP e Yes?
- Sinfônico ou Fusion?
- Originalidade com a verve Argentina ou linha progressiva britânica?
A primeira faixa é emblemática e já na introdução com o movimento 'Tango' pode-se inferir algumas respostas, por mais que tentam fazer uma conexão com o fusion, trata-se do mais puro rock progressivo sinfônico, o movimento de teclados e sintetizadores é ágil e muito bem delineado, num nervosismo típico de Keith Emerson. Na sequencia com 'Sueno' surgem os vocais e a música passa a ter um anticlímax extremamente psicodélico e minimalista, longe do fusion, a não ser que psicodelia e fusion estejam no mesmo segmento, pois há distinções entre as escolas. 'Recuerdo' remete claramente aos climas do Yes na fase 'Relayer', talvez o ponto de interrogação entre o sinfonismo clássico e o fusion está no quarto movimento: 'Trompetango', onde o melancólico trompete executado por Moretto pode se conectar a determinadas passagens do Weather Report, porém é muito mais melódico que os metais do referido grupo, a rigor o trompete de Moretto está muito mais relacionado à melancolia e sinfonismo da escola italiana, notadamente Le Orme e Banco. O último movimento retorna à pedrada inicial em que o power trio mostra sua força num rompante aceleradíssimo a La ELP. Após a audição integral desta maravilhosa suíte denominada 'Buenos Aires Solo Es Pedra', sinceramente não se percebe um apelo jazzístico como descrito em inúmeras resenhas sobre este trabalho do Alas, pode haver um suspiro de jazz, mas na conta se trata mesmo do mais puro rock progressivo sinfônico.
A segunda suíte 'La Muerte Contó El Dinero' é arrebatadora e conceitual, pois suas letras implicitamente discorrem sobre o ressaibo que o capitalismo transborda na vida das pessoas. Composta em sete movimentos, é o ponto alto do disco, os primeiros movimentos: 'Vidala', 'Smog' e 'Galope' são frenéticos, intercalando vocais sentimentais a cargo de Moretto com uma quebradeira de tirar o fôlego, aqui Moretto apresenta toda sua virtuosidade, pois de forma impressionante executa o moog ao mesmo tempo que o piano elétrico, as linhas do rickenbacker de Zuker remetem aos grandes momentos de Chris Squire, aliás, esta composição possui muito do Yes na fase 'Relayer', principalmente pela alternância de movimentos e distorções incríveis, produzindo um efeito semelhante a uma consistente jam, porém não chega a ser tão desordenada e caótica como na maior parte dos artistas do fusion e jazz, pois ações são delineadas de forma uniforme e sem improvisos. O Alas consegue permear por diversos estilos nestes sete movimentos com o mérito de manter assinatura própria, apesar das claras influências foram capazes de desenvolver sua própria sonoridade. 'La Muerte Contó El Dinero' pode ser classificada sem equívocos como um dos melhores momentos de toda a história do rock progressivo argentino. Os inúmeros efeitos psicodélicos encontram ecos a partir de sua metade, apresentando sons naturais, com destaque para a sinfonia canora de pássaros e um trabalho percussivo estupendo do baterista Carlos Riganti, manuseando diversos instrumentos, desde triângulos, passando por gongos e até castanheiras. Riganti aproveita para um belíssimo solo de bateria que culmina com um movimento típico dos melhores power trios do planeta, se no set inicial a principal alusão é o ELP, por sua vez o set final está bem conectado ao Le Orme, conforme os timbres utilizados.
As duas últimas faixas - 'Rincon, Mi Viejo Rincon' e 'Aire (Surgente)' são curtas, sem maiores atrativos e representam bônus das edições em cds. Vale ressaltar que este debutante trabalho do Alas foi lançado no país pela Progressive Rock Worldwide, no período de renascimento do progressivo mundial na década de noventa, com relativo sucesso, tanto que o grupo foi convidado para participar do prestigiado festival RARF de 2001 e nesta oportunidade realizaram um show antológico, intimista e inesquecível! Para os amantes do legítimo rock progressivo sinfônico, ainda é possível encontrar este clássico trabalho a preços módicos em edições de segunda mão nos diversos sites de leilão da net e não haverá dúvidas quanto à qualidade musical aqui disposta e o mix de referências centrado notadamente em ELP, Le Orme e Yes! |
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