Discoteca básica, fundamental
O projeto de gravar um trabalho oficial ao vivo estava engavetado há bastante tempo por parte do Univers Zero, pra ser mais exato a banda nunca teve um disco nessas condições em toda a sua longa carreira, por esse motivo o álbum "Live", lançado em 2006 é histórico, justamente por preencher essa lacuna que estava faltando na discografia oficial da banda. O show foi realizado no dia 24 de junho, em Brussels, na Bélgica(país de origem da banda e um dos berços do movimento musical de vanguarda conhecido por RIO), o cd ainda conta com duas músicas gravadas numa apresentação em Les Lilas, na França.
Trata-se de um concerto irretocável, esse termo define perfeitamente o "Live" - irretocável. Daniel Denis, o líder da banda, brinda o público com uma exibição de gala, muito caprichada e cuidadosa, percebe-se que ao envidar muita energia na concepção do show, acabou por atingir um resultado excelente, os arranjos estão fabulosos e a sinergia entre os integrantes é latente. Os admiradores mais antigos da banda podem questionar o set list escolhido para o cd, já que da fase mais clássica temos apenas uma única música e mesmo assim de menor expressão, "Bonjour Chez Vous", do espetacular álbum "Ceux De Dehors" de 1981. O restante do repertório é oriundo de trabalhos mais recentes dos últimos dez anos, mas apesar desse esquecimento, o que a banda executou foi de altíssimo nível, não deixando nada a desejar para os trabalhos de outrora.
O último trabalho do grupo, denominado "Implosion", trouxe modernidade e vigor às composições do Univers Zero, sem perder a atmosfera lúgubre, pesada e melancólica, que alia altas doses jazzísticas com música clássica impressionista. Quando a banda resolveu fazer as malas e colocar o pé na estrada em 2005, para a turnê do "Implosion", movimentou seus admiradores por toda a Europa, já que se trata de um grupo musical tão refinado que representa quase uma religião para os apaixonados por sua sonoridade altamente original. Um show do Univers Zero ainda se torna muito interessante porque a banda recria novos arranjos com diversos improvisos, mantendo a estrutura original de suas composições. Esse efeito encontramos de imediato na abertura com "Xenantaya”", a melhor do disco "The Hard Quest", estendia aqui por cerca de quatro minutos da versão original. O início com um leve toque de clarinete e oboé é hipnotizante, nada a desejar para alguns climas do King Crimson com Mel Collins, desaguando na bateria poderosa e quebradaça de Daniel Dennis e uma linha de baixo arrasadora, executada pelo ótimo Eric Plantain. Michel Berckmans, ao lado de Dennis, são os únicos integrantes da formação fundadora do Univers Zero que nesse cd está representada por Kurt Budé – clarinete e sax, Martin Lauwers – Violino, Eric Plantain – baixo, Peter Van Den Berghe – teclados, além de Michel Berckmans – oboé e Daniel Denis na bateria.
O show prossegue com outra música do "The Hard Quest", com um solo de violino memorável em meio a uma atmosfera densa e inebriante que culmina com uma das características mais marcantes do grupo, a improvisação ao piano com um acompanhamento psicodélico e dissonante, lembrando trabalhos clássicos de pianistas do século passado, temos nessa música outro exemplo de que a versão ao vivo superou a de estúdio. O acompanhamento do violoncelo ao término também é marcante, tendo a cozinha de Dennis um espetáculo à parte. Em todo o show o líder do grupo executa uma batera de primeira grandeza, sem necessariamente extrapolar ofuscando os demais membros, muito ao contrário, a percussão faz exatamente o que se deseja dela, um acompanhamento refinado, com quebradas constantes e muita criatividade.
"Live" recria o visual alienígena e metafísico do cd "Implosion", onde a gravadora Cuneiform mais uma vez brilhou nos encartes, trazendo-nos inúmeras fotos do show e dos integrantes mostrando a disposição inusitada do palco, assemelhando-se a um corredor polonês em que as fileiras abrem espaço para a bateria de Denis, posta abaixo do telão que apresenta imagens visionárias refletindo em toda a banda, como numa espécie de raio-x lunático e atemporal do sextexto. Apesar da bateria ficar em posição de destaque, como disse anteriormente, Denis não rouba a cena para si durante o show, tendo apenas um único momento em que realmente se destaca isoladamente, na abertura da música "Falling Rain Dance", com um número solo impressionante, trazendo muitas variações e empolgando completamente o público.
Outra música a ser citada é "Méandres", típica composição do Rio, iniciando com uma sonoridade que à primeira vista "arranha" os ouvidos, mas com a entrada dos sintetizadores logo mostra seu sentido e toda a abundante criatividade da banda, comandada por um clarinete que lembra muito o aspecto noir de alguns filmes franceses da década de 60. Denis consegue efeitos alucinantes, abusando de sua percussão e tudo ao seu redor para marcar de forma extraordinária as sequências musicais. Considerada a melhor música do "Implosion", "Méandres" prova que a banda continua pautando a sua história musical com muita coerência e criatividade, onde em momento algum decepciona seus admiradores e o "Live" corrobora esse sentimento e mesmo a ausência do guitarrista Roger Trigaux, um dos membros mais importantes do início de carreira da banda, não é capaz de ofuscar a luz intensa desse trabalho. |
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