Discoteca básica, fundamental
Fico muito a vontade para escrever sobre esse trabalho sem precedentes do King Crimson, a riqueza sonora é tão abundante que para expressar tudo que sinto ouvindo essa obra, teria que fazer uma boa resenha para cada música em separado.
Portanto vou escrever apenas sobre a primeira música e muito resumidamente.
Começo dizendo que Robert Fripp se comporta como o verdadeiro caibro que sustenta a sonoridade do grupo, ao contrário de outras obras, no "Lizard" ele assume as rédeas básicas, não só como mentor, mas também como músico atuante, seja no violão, na guitarra, nos teclados ou no mellotron.
"Cirkus" é sem dúvida uma das músicas mais interessantes da carreira do grupo, possui de tudo um pouco e nas medidas exatas, pra dizer a verdade, é uma das músicas mais completas que já ouvi no rock progressivo. A primeira vez que ouvi, percebi que estava diante de algo diferenciado, refiro-me à poesia musical, à alma, ao prazer que proporciona parar e ouví-la, sozinho, sem ninguém por perto, a toda a sua melodia. Era noite, silêncio e vários filmes passaram na minha cabeça ouvindo essa maravilha, até hoje ainda é assim. Não obstante, é raro aliar todo esse sentimentalismo com a grande técnica musical dos integrantes e essa sinergia acontece de forma rara - técnica e emoção, assim é "Cirkus" nos seus 6 minutos e vinte e sete
segundos.
A introdução já é arrasadora, os vocais suaves(Gordon Haskell) com um piano belíssimo do mestre Keith Tippet ao fundo, lembrando muito a própria melancolia do Peter Gabriel no Genesis. Antes da entrada da bateria temos uma flauta incidental que é covardia, do monstruoso Mell Collins, juntamente com os teclados do Robert Fripp. A bateria quando entra é um caso à parte, que levada, que categoria, quebrando o tempo inteiro sem machucar as caixas, com carinho, com talento, sem exageros.
Essa cozinha é brincadeira, magia pura, depois o Fripp parte para o violão e dá um show com um dedilhado que embasa o refrão da música, que até o Paco De Lucia deve parar pra ouvir e bater palmas. Após o refrão entra o instrumento que se confunde com a música crimsoniana, o tão venerado mellotron e para meu deleite, com um sinfonismo feiticeiro, nada daqueles exageros, daqueles efeitos que muitas vezes ofendem os ouvidos de tão alto, nada disso. O mellotron entra em conjunto com o os pianos e que dobradinha fantástica.
Daí pra frente o sax do Mell Collins de uma grandeza e sensibilidade incríveis assume a condução musical, seguido pelo séquito crimsoniano do "Lizard", oboé, trombone, corneta, mellotron, piano, baixo e bateria, tudo junto e cada qual com seu espaço e arrebentando, ninguém, absolutamente nenhum músico, em posição burocrática. O feeling do Collins é tão grande que é o tipo de saxofonista que ficaria o dia inteiro ouvindo e ainda pediria bis. Todos com um sinfonismo que remete a uma orquestra ambulante, seria a música clássica do século XX?
Vale atentar em "Cirkus" para os exatos três minutos e 15 segundos de música, quando o sax do Collins, dá aquela paradinha, rolando aquele clímax e o mellotron fica soberano(isso foi a mesma coisa que a banda faria tempos depois em "Starless"), aqui esperando pelos vocais de Gordon Haskell, integrante que além de possuir uma voz afinadíssima, toca uma barbaridade no baixo.
Meus amigos, não se esqueçam, estou escrevendo apenas sobre "Cirkus" e tenho certeza que isso que escrevi agora é ainda muito pouco, mas muito pouco mesmo, perto da riqueza de detalhes dessa música. Ouçam com calma e comprovem! Pra quem não conhece ou para quem faz tempo que não ouve essa obra, imagine o resto, com a presença incidental de Jon Anderson e o escambau.
No mais, é uma das obras mais sentimentais do King Crimson, mais sinfônicas também e mais técnica, se diferenciando por completo do "In The Wake Of Poseidon" e do "Islands" que não são tão sinfônicos, em vários momentos esses dois se aproximam do RIO mesmo.
Portanto, "Lizard" não deve ser comparado aos dois, pois de RIO não tem praticamente nada, é sinfonismo puro mesmo com grandes tiradas do "jazz" e esse mix foi perfeito nessa obra, "Cirkus" que o diga.
No "Lizard" a pequena música "Lady Of The dancing Water" é de emocionar, convenhamos, o cara tem que estar com o ovo virado pra não se sensibilizar com essa canção, mas vou parar por aqui que senão sai uma resenha dessa música também.
Abraços.
Gibran Felippe |
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