Obra-prima, irretocável
Este disco veio a público em 1970, uma época em que a banda ainda buscava consolidar sua imagem após a saída do fundador Syd Barret.
Normalmente, quando se fala no Pink Floyd, as pessoas lembram de álbuns como Dark Side of the Moon, The Wall e Wish You Were Here. Além da estréia com The Piper at the Gates of Dawn.
Atom Heart Mother é lembrado por muito menos gente. E por isso mesmo, é considerado por seus admiradores, que não são poucos, uma obra substimada. E é exatamente isso que eu penso também.
A obra abre com a fantástica faixa título, que ocupa o lado 1 inteiro do disco, e tem mais de 20 minutos. Composta em parceria com o arranjador Ron Geesin, é um único momento na carreira da banda na qual a ela se juntou uma orquestra. Dividida em 6 partes, ela tem dois temas centrais, que formam a parte 1 da suíte, e reaparecem em outras mais tarde. O primeiro tema central é conduzido por sopros da orquestra, em uma melodia marcante. Da banda só se sente o baixo de Waters e a bateria de Mason conduzindo a base.
O segundo tema é talvez o mais bonito, e é onde aparecem os teclados de Wright nos dois solos iniciais, e Gilmour no pedal steel, em um solo lindo e emocionante, com algumas partes de guitarra fazendo dobra, enriquecendo o arranjo. Aqui o show é da banda, a orquestra é que mal aparece (se ouvem apenas alguns sopros ao fundo).
A parte 2 é calma e mais reflexiva, conduzida por uma base de órgão, e um coral fazendo o solo vocal, mais uma bela melodia.
A parte 3 mais carregada no blues, com o órgão de Wright fazendo a base para Gilmour dar um dos principais solos de guitarra do disco inteiro. O coral aparece no final, cantando algumas palavras difíceis de compreender. Esta parte encerra de forma genial com o reaparecimento do primeiro tema central da suíte (aquele lá do começo da parte 1).
A parte 4 é mais curta e piscodélica, com efeitos de teclados e guitarras, e uma explosão no final. A parte 5 é uma espécie de ponte para o grande encerramento, aqui a orquestra vai coltando aos poucos.
A parte final, por fim, é a reperição dos temas centrais da parte 1, agora com mais vibração em ambos. Lindo demais, principalmente a profusão de solos de pedal steel e guitarra no segundo tema, e a volta forte do coral e dos metais, que encerram esta belíssima suíte de forma apoteótica.
O lado 2 abre com o contraponto perfeito à complexidade da faixa título. Abre com If, de Waters, uma das mais lindas melodias que ele criou na vida, de uma simplicidade e uma beleza irresistíveis. Ele a canta suavemente, a princípio apenas no violão. Aos poucos os demais instrumentos da banda vão aparecendo, com destaque para um solo de guitarra muito bonito e certeiro de Gilmour. Se Atom Heart Mother é um disco subestimado, o que dizer desta canção? Para mim, umas das mais lindas que Waters já fez.
A próxima é outra adorada por muita gente. Summer '68, um dos grandes momentos de Richard Wright na banda. Arranjo que mescla uma parte melódica (com Wright cantando delicadamente - interessante que ele talvez nunca tenha usado totalmente o potencial da sua voz, muito bonita), e outra psicodélica, com direito a metais irrompendo com força em dois momentos diferentes. Esta segunda parte é que fez a música famosa, figurando na programação da Rede Globo na época. Muita gente conheceu o Pink Floyd assim, o que faz de Summer '68 a música mais conhecida deste disco.
Mas o show continua, e é a vez de Gilmour comandá-lo, com sua bela Fat Old Sun, muito melódica e com ares folk principalmente no começo, com voz e violão bem calmos (parecidos até em estilo com o que Waters fez em If), e crescendo aos poucos com a entrada dos demais músicos, até a parte final com um grande solo de guitarra.
O grande disco encerra com mais uma suíte instrumental: Alan's Psychedelic Breakfast. Dividida em 3 partes, ela mescla diálogos e ruídos de pelo menos 2 pessoas tomando um café da manhã com melodias mais uma vez muito boas. Aqui quem conduz o show é Wright com seu piano (e na parte final com órgão), com destaque também para Gilmour na parte 2 com um solo mais delicado, e um mais forte na parte final, onde a melodia é talvez a mais interessante, e mais progressiva.
Atom Heart Mother é, na minha opinião, um disco completo de rock progressivo. Aqui tem tudo! Psicodelia, folk, progressivo sinfônico, orquestra, corais, os 3 cantores da banda compondo e cantando! E inspiração tremenda pelo disco inteiro! Considero-o no tão clássico quanto Dark Side of the Moon. Para mim, ambos são do mesmo nível. E é um disco que parece se recusar a envelhecer, e continua rolando solto aqui no som de casa, quase 30 anos após ter sido adquirido.
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