Fantástico, vai rolar direto no meu som
Fantástico, vai rolar direto no meu som.
O grupo Aether é um dos mais renomados representantes do rock progressivo carioca na década de 90. Apesar dos integrantes estarem na ativa desde os anos setenta, foi somente na segunda metade da aludida década que lançaram oficialmente seu primeiro trabalho, intitulado 'Visions'. A concepção sonora do grupo está calcada na manifestação de energia oriunda do verbete que denomina a banda, retirado do idioma grego, receita que culmina numa sonoridade reflexiva com belos solos de guitarra, entrecortados por teclados, além de vocais ocasionais.
A formação nesta obra é composta por Vinícius Brasil - guitarras, Alberto Curi - teclados e vocais, Fernando Carvalho - baixo e Brandon Ramos - bateria. Os três primeiros são os fundadores e tocavam juntos desde a década de 70, porém com outros nomes para seus projetos, tais como Rockambole e Albatroz. Como convidados especiais temos Eduardo Campos - piano e órgão, além do sempre brilhante Glauco Fernandes - violino. Aprecio tanto a presença do violinista Glauco, que opto por iniciar a análise com as músicas que tiveram sua participação - 'The Lake' e 'The Woods'. O solo de violino na primeira é esplendoroso, provavelmente o momento de maior delicadeza em todo o disco, ornando a suíte 'Altenburg Suite' com rica melodia e sensibilidade. Mesmo sendo conhecido como o Camel brasileiro, é fácil identificar que o Aether não se fixa somente num estilo peculiar, ou seja, não possui apenas como referência o sinfonismo camelístico. A rigor, o álbum pode ser dividido em duas partes. Na primeira temos um maior reflexo do estilo primoroso do Camel, já na segunda, composta em quase sua totalidade pela referida suite, as referências são outras, onde em diversos momentos as cordas remetem-me a grupos folk medieval como Gryphon e Amazing Blondel, sobre esse prisma que o violino de Glauco Fernandes desempenha um papel importante, justamente nessa parte final do trabalho, alterando a orientação musical contida nas primeiras músicas. Em 'The Woods' a junção do violino com as cordas é altamente relaxante, enquanto os teclados ao fundo executam uma marcação com acentuada orientação new age. A seguir, finalizando o trabalho, surge as ondas do oceano envoltas em sinths com timbres de flauta na bela 'The Ocean', num outro número muito similar à produção new age da escola oriental encabeçada pelo genial Kitaro.
Entre as músicas com participação de Glauco Fernandes, temos a melhor do disco, a inebriante 'Essence Of Freedom', curiosamente contando com a participação de outro convidado, dessa vez, do não menos brilhante Eduardo Campos. Essa música fecha a suíte 'Altenbourg' com chave de ouro! O início nos violões é algo que considero de pura magia, em conjunto com sintetizadores reproduzindo sons medievais como se fosse um cravo, até a completa mudança de andamento delineada com um contraponto de órgão e a virada de bateria (instrumento que estava ausente nos dois movimentos anteriores) para uma linha mais jazzy, Eduardo Campos emenda então num solo de piano matador, seguido por outro solo de guitarra igualmente matador. Nesse ponto, qualquer dúvida acerca do talento desses músicos se dissipa por completo, pois estamos diante de um grupo de feras capazes de tocarem seguindo influências de nomes como Mike Oldfield, mas sem qualquer ausência de personalidade.
'Altenbourg Suite' representa exatamente a tal quintessência extraída do termo Aether: sonoridade calcada em conceitos medievais, aproximação com a natureza através dos sons de pássaros, águas, crianças brincando... enfim, a presença do harmonioso equilíbrio natural, algo que anseia nosso corpo e mente diariamente na busca por uma existência mais autocontrolada.
A resenha principiou pela segunda metade do disco, pois é a sequência que mais aprecio em estúdio produzida pelo grupo, incluindo os dois trabalhos. Esta inspiração faz com que considere o 'Visions' levemente superior ao segundo disco 'Inner Voyages Between Our Shadows', de qualquer forma não seria debalde escrever um pouco sobre a parte inicial contida no 'Visions' que também é ótima. 'Millennium' perfaz um tema introdutório, inteiramente executado em teclados incidentais, abrindo para a intensa 'Autumn', cartão de visitas do grupo com um solo de guitarra exuberante de Vinicius Brazil, provando ser um instrumentista de estirpe superior. Nessa música é que temos uma aproximação com o prog sinfônico do Camel, mas não aquela sonzeira dos anos setenta, vejo mais próximo do Camel introspectivo e emotivo da segunda metade da década de oitenta em diante, em obras como 'Harbour Of Tears' e 'Dust And Dreams'.
Essa semelhança se acentua um pouco mais em 'A New Bright Day', já que os vocais monofônicos de Alberto Curi são extremamente semelhantes aos de Andrew Latimer. Essa música é daquelas que chamam a atenção desde o primeiro momento, pois já na introdução segue uma quebrada de bateria com guitarra cativante, bem ao estilo do Camel. Em seguida os vocais entram num tom adequado, levando um refrão capaz de ser absorvido de imediato, retumbando em nossas mentes. Quando recebi o disco, repeti essa música uma dezena de vezes, e aqui faço uma menção ao estilo do talentoso Vinicius Brazil que permeia toda a música com belos solos e uma base muito consistente, mesmo sendo comparado ao estilo de Latimer, observando com atenção, percebi muito mais indícios de Steve Hacket que propriamente do Latimer, tanto pelos solos, como pela escolha dos timbres. Infelizmente, o grupo não costuma executá-la nos shows, ao menos nos últimos que estive presente.
A banda está trabalhando num novo disco, se seguir a receita praticada nos dois trabalhos lançados, tem tudo para obter mais uma vez a admiração dos proggers mundo afora. O Aether é um dos raros grupos brasileiros a participar de projetos no exterior, além de ter marcado presença em duas edições do Rio Art Rock Festival, o mais conceituado festival de rock progressivo da América do Sul e nessa obra 'Visions' temos o embrião de toda essa bela história do cenário progressivo carioca. |
|