Discoteca básica, fundamental
Pra começar, ressalto que no meu entendimento, a respeito da vasta obra do Yes, a banda possui uma trilogia de ouro, ou seja, três obras que de fato se destacam mais que as outras. Muitos podem imaginar que seja impossível classificar uma parte da discografia do Yes dessa forma, afinal, foram tantas obras memoráveis ao longo dessas quase quatro décadas de existência, que pode até configurar uma injustiça destacar uma trilogia dentro desse universo musical profundo e deveras pejado.
Dito isso, enumero a trilogia e inserida na mesma encontra-se essa obra-prima denominada "Tales From Topographic Oceans", os outros dois são "Close To The Edge" e "Relayer". É natural ao ser humano inteligente, antes de qualquer coisa, contestar toda opinião que seja contundente. Entretanto, antes que isso ocorra, convido-os a revisitarem a discografia do Yes, não com o intuito de tornar a minha opinião inconteste, mas, sobretudo para depurarmos ainda mais as obras dessa que foi talvez a grande banda do rock progressivo, ao lado do Pink Floyd e do Gênesis, na minha opinião alguns degraus acima dessas duas últimas inclusive.
É verdade que trabalhos como Time And A Word, The Yes Album, ?Fragile?, ?Going For The One?, ?Drama?, ?90125? e ?Keys To Studio? são muito bons, alguns extremamente clássicos como ?The Yes Album? e referências obrigatórias em qualquer discografia que se preze, porém em nenhum desses encontramos os elementos que presenciamos ao ouvir a trilogia de ouro em vários aspectos: na elaboração musical, no grau de complexidade técnica, nas inúmeras variações rítmicas em seus mais diversos movimentos contidos numa mesma peça musical, nos improvisos provocantes, talvez por conta dessa forma rebuscada de fazer rock é que algumas pessoas consideram o Yes, durante essa etapa de criação musical da sua carreira, uma banda pretensiosa. Ora, esse tipo de comentário é totalmente equivocado, já que temos por pretensioso algo grandioso feito por alguém sem capacidade para tanto ou realizado por aventureiros e charlatões. Aqui eu pergunto para vocês, meus amigos, diante de tamanha qualificação musical, de uma reunião composta por nomes como: Jon Anderson, Steve Howe, Alan White, Rick Wakeman e Chris Squire, faz sentido chamar de pretensioso um trabalho? Pretensioso seria, se músicos não tão talentosos, tentassem criar num curtíssimo espaço de tempo(um ano aproximadamente), algo como ?Tales From Topographic Oceans?.
Outras críticas que tenho notado ao longo dos anos com relação a essa obra, é a de que a mesma foi elaborada e produzida praticamente por Jon Anderson e Steve Howe sozinhos e que os problemas de relacionamento foram intensos. Pode até ter um fundo de verdade nessa visão, mas não acredito que esse seja um motivo real para criticar esse trabalho, afinal o resultado está gravado para todos apreciarem e convenhamos a participação dos demais músicos é super efetiva para dizer que Anderson e Howe brilharam sozinhos, aliás, acho completamente o contrário, com problemas de relacionamento ou não, quem brilhou de fato foi o conjunto e não peças isoladas. A saída do Wakeman da banda após esse trabalho foi curiosa, alguns dizem que ele saiu criticando os rumos que o grupo estava levando, que estavam atingindo um nível de megalomanismo insuportável, ora, grande balela, tendo em vista que Wakeman saiu do grupo e produziu algo tão grandioso quanto, pouquíssimo tempo depois, que foi o ?Journey To The Centre Of The Earth?, convenhamos, se bobear até mais megalomaníaco. Ao meu ver, pelo pouco espaço de tempo, Wakeman já estava querendo sair do grupo, inclusive durante as gravações para tocar o seu projeto, se é que não o fez de forma paralela, se fizermos uma análise temporal no que tange esse aspecto, eu praticamente não tenho dúvidas quanto a isso.
Os conceitos filosóficos de Jon Anderson sobre o universo e harmonia entre seus seres podem ter sido o grande cerne para as idéias musicais, porém isso não ofusca o todo e sobressai a tal ponto de abafar a participação dos outros integrantes. Temos o exemplo de vários compositores que apenas levantam idéias, mas não se sobrepõem à execução, temos o caso do Peter Sinfield para o King Crimson que elaborou, durante um período, a maior parte das músicas, mas de maneira alguma ofuscou o desempenho do grupo, a única diferença é que no caso do Jon Anderson ele participa ativamente também do processo de execução musical.
É fato que muitos adeptos do rock e até mesmo do progressivo, curtem músicas menos complexas, com mais pegada, algo como ?The Yes Album? e ?Fragile? por exemplo, que possuem composições mais centradas, com refrões, com fraseados bem definidos e não tão longas. Para esses o ?Tales From Topographic Oceans? talvez não seja muito recomendado, pois se trata de um álbum que possui quatro suítes de vinte minutos e necessita ser ouvido com muita atenção para não se perder nenhum movimento. Muitas críticas para esse trabalho também seguem esse viés, ou seja, críticas à alta sofisticação musical atingida pelo Yes.
Faço aqui um paralelo com a vida moderna, cada vez mais as pessoas, devido à correria do dia-a-dia, não possuem paciência para ouvir músicas longas, as famosas suítes, tão representativas do rock progressivo, uma já é suficiente, duas são exagero e quatro nem pensar. Essas mesmas pessoas não conseguem entrar num cinema para ver um filme de três horas, não conseguem assistir a uma exposição de pinturas, não conseguem ler um livro, posto que não seja necessário para a sua vida, que tenha mais de trezentas páginas. Isso para mim sinaliza que a arte está perdendo espaço na vida das pessoas a cada dia que passa, diante dessa necessidade crescente de mais informação e menos tempo para atividades culturais que demandam concentração. Assim sendo, os inúmeros improvisos contidos nos diversos movimentos, desagrada a muitos fãs novos ou velhos, como disse, principalmente para aqueles que possuem uma visão mais roqueira, hermética com relação à plena concepção de início, meio e fim bem definidos e obviamente a existência de refrões e passagens de fácil assimilação marcando o compasso musical. ?Tales From Topographic Oceans? é justamente a antítese disso e assim já o era nos anos 70. Não obstante, é livre! Não adere nenhuma receita de bolo pré-concebida, aproximando o Yes dos músicos mais inventivos do século passado e por isso o classifico como o diferencial do grupo, que ao lado do ?Close To The Edge? e ?Relayer?, fizeram com que a banda atingisse uma ordem superior, é por essa trilogia de ouro que o Yes será relembrado com um status de primazia musical, em que pese terem na bagagem obras maravilhosas.
Mesmo afirmando não ser uma obra solo de Anderson-Howe, é importante que se louve a performance do Steve Howe nesse trabalho, o que ele faz é absolutamente magistral, desde os acordes iniciais em ?The Revealling Sciene Of God?, passando pelo dedilhado já clássico de ?Giants Under The Sun? e obviamente os solos contidos em ?Ritual?, desde à introdução até o magnífico desfecho em ?Nous Sommes Du Soleil?. Fico imaginando o mesmo dentro do estúdio, com a sua guitarra deitada na mesa, tocando como se estivesse fazendo carícias na mulher amada, com alma, com sofreguidão, nota por nota, extraindo um efeito onírico na sua guitarra. Assim é o relacionamento do Howe com a guitarra em ?Ritual?.
Gostaria de acrescentar que nesse trabalho encontramos a melhor performance de Alan White em toda a sua trajetória no grupo, a responsabilidade de substituir Brufford era elevada, mas White tocou como nunca nesse trabalho, com grande personalidade e com o passar dos anos ele foi decaindo, tanto que ouvindo as obras posteriores sinto uma certa saudade do Brufford, mas aqui no ?Tales From Topographic Oceans?, Alan White arrasa e o solo que faz em ?Ritual? é muito interessante e performático, traçando um anti-clímax durante a virada dos movimentos com grande personalidade para quem acabara de chegar num grupo já consagradíssimo.
Se tivesse que definir com uma única palavra essa obra, a mesma seria: quintessência! |
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