Discoteca básica, fundamental
Grupo seminal do rock progressivo setentista inglês, o Camel passou por diversas formações e alguns períodos de inatividade ao longo dos anos, tendo, em 1991, após um longo período de hibernação (seu último trabalho de estúdio antes disso tinha sido Stationary Traveller, de 1984), e a esta altura tendo como único membro remanescente da formação original e dono definitivo do nome Camel o guitarrista Andrew Latimer, finalmente voltado à carga com novo disco e gravadora própria (a Camel Productions).
A exemplo de diversos outros trabalhos do Camel, Dust and Dreams também é um disco conceitual, inspirado no livro The Grapes of Wrath (As Vinhas da Ira), de John Steinback, contando a saga de uma família de trabalhadores rurais pobre durante a Grande Depressão de 1929, gente que perdeu seus bens na crise e que parte em busca de uma vida melhor, de Oklahoma para a Califórnia, onde dizem ser um lugar mais próspero e de melhores oportunidades. Durante a viagem eles se deparam com a nova realidade, ao mesmo tempo em que descobrem que o lugar onde estão indo pode ser até pior do que aquele que deixaram para trás.
Este é um disco extremamente melancólico, onde melodias belíssimas e arrebatadoras unem-se a letras com intensa carga emocional para nos proporcionar uma experiência realmente marcante, de sensações fortes sobre drama, sofrimento e desilusões, tal como vivenciado pelos personagens do livro em que se inspirou. As músicas são interligadas e vão fluindo de uma forma tão cativante e agradável aos nossos ouvidos que fica realmente difícil deixar de escutar o disco inteiro, e após escutá-lo por completo a vontade que nos dá é escutar de novo. Latimer, como sempre, um mestre em transmitir emoções profundas com seus inspiradíssimos solos de guitarra, flauta e eventualmente também aos teclados (a propósito, o disco também conta com a participação do excelente tecladista Ton Scherpenzeel [Kayak]). Colin Bass igualmente brilhante em seu trabalho no baixo,
assim como também todos os demais músicos, valendo ainda registrar os belíssimos arranjos sinfônicos e a utilização de harmônica, trazendo ao bojo deste belíssimo trabalho toda aquela atmosfera típica dos lugares e época em que é vivenciada a narrativa.
Todas as composições são de autoria do Latimer, com exceção de duas faixas (Rose of Sharon e End of the Line), co-escritas por sua esposa Susan Hoover, a quem ele dedica este trabalho. São letras profundamente emotivas, que vão retratando sentimentos como esperança ("Go West, Go West / Where there's fruit in every place / a smile on every face... / Go West, Go West... / Where there's work (so I'm told) / California's never cold... so / Go West..."), incertezas ("Rose, I will try to settle down / but I can't tell the future / Rose, I will try to stay around / but I don't know the future") e desilusões ("On the road again / for a job I never find / People talking... / as if we're not their kind / I got a handbill / says there's work up here / Left my homeland... / and paid a price too dear"). As últimas oito faixas do disco (da 9 à 16) são instrumentais e interligadas, como se fosse uma única longa suíte com variações diversas. Maravilhosa esta segunda metade do álbum também.
Para mim, pelo menos, Dust and Dreams é um disco que faz jus à melhor tradição conceitual do rock progressivo e está definitivamente entre os melhores trabalhos conceituais do Camel, junto com The Snow Goose e Harbour of Tears.
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