Discoteca básica, fundamental
A história do Renaissance como o conhecemos bem começa, de fato, em
1972, com o lançamento do álbum Prologue e a estréia da maravilhosa
Annie Haslam no comando dos vocais principais. Antes disso, muito
embora já tivessem sido lançados dois trabalhos sob o nome
Renaissance (Renaissance, em 1969, e Illusion, em 1970), a formação
era outra completamente diferente, dela só tendo restado, na verdade,
o violonista e compositor Michael Dunford, que participara da
gravação do álbum Illusion.
Legítimo representante do mais puro rock progressivo sinfônico, o
Renaissance fez escola com o estilo eminentemente sinfônico-acústico
que o consagrou, de harmonias belíssimas e arrebatadoras, com
reminiscências da música folk medieval / renascentista e da música
erudita, em arranjos de singela beleza onde normalmente é o piano o
instrumento de destaque, em perfeita interação com baixo, bateria e
guitarra acústica, além da voz belíssima e poderosa da Annie Haslam e
de um complemento orquestral sob medida.
Scheherazade and Other Stories, gravado em 1975, é certamente o mais
sinfônico de todos os trabalhos do grupo. Inspirado conceitualmente
nos contos árabes das 1001 noites e tendo como base musical a suíte
sinfônica "Scheherazade", do compositor russo Nikolai Rimsky-
Korsakov, este álbum conta a estória de uma bela jovem, chamada
Scheherazade, ameaçada de entrar na lista de ex-esposas de um sultão,
que tinha por hábito decapitá-las na manhã seguinte às núpcias, com
medo de traição. Para escapar da decapitação, ela contava toda noite
ao sultão um novo capítulo de interessantes histórias que nunca
tinham fim, de forma que o sultão, sempre muito interessado no
capítulo seguinte, foi adiando a execução dela até que, depois de mil
e uma noites, finalmente desistiu de seu intento, fazendo de
Scheherazade sua rainha.
Acompanhada por orquestra, a banda chega a este álbum no auge de sua
forma. O disco abre com "Trip to the Fair", uma mini-suíte de
aproximadamente 11 minutos de duração cujos três primeiros minutos
tão totalmente conduzidos por timbres de piano acústico, em seguida
entrando a belíssima parte vocal da Annie Haslam, ótimas intervenções
de baixo, bateria e guitarra acústica, além de excelente presença de
piano elétrico e timbres de xilofone na segunda metade da música
também. "The Vultures Fly High" (faixa 2) é uma música relativamente
curta para os padrões deste disco (3 minutos apenas), mas muito
agradável também, com bastante energia e ótimas participações de
piano, baixo e bateria. "Ocean Gypsy" (faixa 3) começa com um suave e
belíssimo tapete sonoro de teclado, seguido de uma melancólica
intervenção vocal da Annie. Linda demais esta música, com uma
performance bastante inspirada de toda a banda, além de um delicado
complemento orquestral. O disco fecha com a suíte "Song of
Scheherazade", com seus quase 25 minutos de duração. Trata-se
indubitavelmente do ponto alto deste álbum, começando com orquestra,
num tom bastante dramático dominando os dois primeiros movimentos da
suíte (Fanfare e The Betrayal), alternando passagens extremamente
suaves com outras de maior massa orquestral / instrumental ao longo
dos nove movimentos que a compõem. Curiosamente a primeira
intervenção vocal nesta faixa fica a cargo do Jon Camp, cantando os
versos da estória alusivos ao sultão, enquanto a Annie Haslam canta
os versos da personagem Scheherazade.
Todas as composições são de autoria de Michael Dunford e Betty
Thatcher, uma parceria de sucesso que marcou a fase áurea do
Renaissance. São quatro músicas de excelente nível e de muito bom
gosto, com especial ênfase para "Ocean Gypsy" e o épico "Song of
Scheherazade".
Mesmo não sendo o meu disco preferido do Renaissance (na verdade os
meus prediletos mesmo são "Turn of the Cards" e "Novella"), este é
indiscutivelmente um dos melhores trabalhos do grupo e de todo o
cânon progressivo, portanto uma adição obrigatória a toda coleção
prog que se preze. |
|