Obra-prima, irretocável
O grupo inglês Iona deve sua origem à iniciativa de dois músicos, David Fitzgerald (sax, flautas) e Dave Brainbridge (guitarra, teclados), os quais decidiram formar uma banda com forte inspiração na música cristã das ilhas britânicas depois que David retornou fascinado de uma viagem que fez, em 1988, a algumas ilhas da costa oeste da Escócia, dentre as quais Lindisfarne e a pequena ilha de Iona, lugares de profundo significado na história do cristianismo daquele país (daí a razão de haverem escolhido justamente o nome de uma dessas ilhas para batizarem a banda). Com a entrada, algum tempo depois, da vocalista Joanne Hogg (também teclados), estava constituído o núcleo básico inicial do grupo, sendo finalmente lançado o primeiro álbum (homônimo) em 1990, com a participação de músicos convidados.
The Book of Kells, segundo trabalho da banda (lançado em 1992), é inspirado em um manuscrito medieval, de mesmo nome, produzido por monges celtas e considerado uma relíquia histórica da Irlanda, contendo iluminuras e textos dos quatro evangelhos em latim. Neste disco, além de David, Dave e Joanne, também fizeram parte do line-up os músicos Nick Beggs (baixo, stick, címbalos) e Terl Bryant (bateria, percussão), auxiliados por músicos convidados, dentre eles Troy Donockley (gaita-de-foles, whistles), que viria a tornar-se membro efetivo da banda a partir de 1995.
Como já mencionado alhures, o Iona tem uma fortíssima inspiração na música cristã das ilhas britânicas, inclusive inúmeras músicas com letras inspiradas em hinos religiosos tradicionais. São características marcantes no som dessa banda o vocal solene e angelical da Joanne Hogg e as belíssimas paisagens sonoras proporcionadas por teclados, complementados por instrumentação típica como harpa celta, gaita-de-foles, whistles, etc. Algo como que uma deliciosa fusão de rock folk celta à la Clannad com as conhecidas paisagens sonoras do Robert Fripp (o qual, por sinal, é um grande admirador e incentivador do grupo, já tendo inclusive participado de alguns de seus trabalhos, como músico convidado).
Este álbum é definitivamente um dos melhores dentro da excelente discografia do Iona, com faixas realmente magníficas do início ao fim. Dentre estas, eu destacaria com especial ênfase as seguintes: "Matthew – The Man" (faixa 3), uma mini-suíte de quase 12 minutos de duração, dividida em três movimentos, sendo a primeira parte caracterizada por interessantes alternâncias entre passagens mais fortes, comandadas por percussão, e outras mais serenas e contemplativas, proporcionadas por paisagens sonoras de teclados, a segunda parte tendo como destaque os vocais angelicais da Joanne Hogg, bem como a presença de flauta e violão, e a última parte caracterizada por intervenções vigorosas de percussão e riffs de guitarra; a também belíssima e etérea "The Arrest – Gethsemane" (faixa 10), totalmente instrumental, uma autêntica viagem sonora proporcionada por maravilhoso trabalho de teclados e sax; e a vigorosa "Kells" (faixa 13), comandada por magnífico trabalho de percussão.
Em suma, Book of Kells é um disco que nos evoca a todo instante paisagens imaginárias de uma ilha remota, de noites chuvosas, de plena paz espiritual, através de belíssimos tapetes sonoros proporcionados principalmente por teclados, flautas e sax. Uma feliz união de pop, progressivo e ambient à música religiosa britânica e a elementos da música tradicional celta. |
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