Obra-prima, irretocável
Depois de um trabalho árduo, a produtora carioca Rock Symphony colocou na praça esse excelente dvd do Quaterna Réquiem, banda de vanguarda do rock progressivo brasileiro. Trata-se de uma apresentação marcante, onde através de um set list muito caprichado, a banda realmente conseguiu levar toda emotividade e classe de suas composições a um público entusiasmado. A introdução é muito pungente, com cada músico fazendo passagem de som numa abertura quase ritualística, onde nenhum detalhe passa desapercebido. A apresentação ocorreu no Centro Cultural Justiça Federal do Rio de Janeiro, em 2004 e foram dois dias praticamente com lotação esgotada, numa verdadeira celebração do rock progressivo.
A formação da banda para esse evento contou com Elisa Wiermann – teclados, Kleber Vogel – violino, Claudio Dantas – bateria, Roberto Crivano – guitarra e violão e Jorge Mathias no baixo. A música de abertura foi uma grata surpresa, a inédita "Prefácio", numa escolha depersonalidade por parte do grupo. Afinal de contas, com tanta música consagrada no meio, principalmente do épico álbum de 1990 - "Velha Gravura", a banda poderia optar por conquistar o público de imediato com a execução de algum clássico desse primeiro trabalho. Mas com essa música introdutória, que é realmente espetacular, não precisou lançar mão de qualquer artifício para conquistar a platéia. "Prefácio" é contagiante, inicia-se com uma leve suavidade conduzida pelo xilofone de Dantas, em seguida adentra em conjunto o mágico violino de Vogel e a guitarra gilmouriana do Roberto, como se não bastasse, a presença dos teclados leva a música para um desenvolvimento altamente progressivo, com movimentos tensos e vibrantes. Essa música inicial, provavelmente
deve ser a abertura do novo trabalho, "O Arquiteto", e já nos deixa numa tremenda expectativa, pois nessa composição a banda apresenta o que mais me faz admirá-los, a fusão da melodia italiana do PFM com o space do Solaris. São únicos nessa proposta musical e o que é mais gratificante, genuinamente nacionais.
Depois dessa abertura de tirar-nos o fôlego, temos outra surpresa, "Gárgula", composição de Kleber Vogel na banda Kaizen. Se essa não atinge o nível da primeira, também não deixa a desejar nem um pouco, contando com uma guitarra muito inspirada e Vogel fazendo literalmente miséria no violino. Na sequência temos "Tempestade" e "Aquarta" do "Velha Gravura" e nos acordes iniciais da Elisa já se pode sentir o arrepio bom de saber que temos rock de alto nível no Brasil. Ouvir a interpretação da banda para as músicas do "Velha Gravura" é como preparar-se para uma cerimônia perfeita, utilizar o melhor dentifrício para encontrar a mulher amada, varar a noite acordado apenas para aguardar o nascer do sol e sentir-se satisfeito e deslumbrado com a visão magnânima do nosso astro-rei, acordando para um novo dia. Assim é o "Velha Gravura", do início ao fim, momento marcante do progressivo brasileiro e por que não, mundial. "Aquarta" ganhou uma nova roupagem, mais pesada e vibrante, com uma tecladeira de cair o queixo e um belo duelo de guitarra e violino.
O show prossegue com a presença de um convidado muito especial, Paulo Teles na flauta da bucólica "Cantilena", composição da dupla Kleber/Elisa. Interessante notar que nos momentos em que a flauta possui destaque principal, a sonoridade da banda se aproxima bastante do Solaris, mesmo que na concepção dos arranjos há clara diferença de estilos, percebe-se uma similaridade na musicalidade de ambos.
"Irmãos Grimm", música muito solicitada pelo público é a única representante do álbum "Quasímodo" no dvd. Trata-se de composição muito inspirada com todos os clássicos elementos do rock progressivo sinfônico: teclados em profusão com inúmeros timbres e solos a la Rick Wakeman, onde Elisa prova ser uma das melhores tecladistas de sua geração, arranjo delineado com ênfase em bases melódicas típicas da música progressiva italiana, momentos de anti-clímax psicodélicos característica de boa parte das suítes sinfônicas progressivas, entre outros atributos. Grande momento do show!
Na sequência final temos duas músicas conhecidas do público progressivo: "Velha Gravura" e "Toccata". Dessa forma, o dvd se encerra de forma exuberante com dois autênticos clássicos do progressivo da década de 90, que nessa versão ao vivo ficaram simplesmente deslumbrantes. É uma satisfação muito grande comentar sobre esse show porque estava presente e poder vivenciar novamente aqueles momentos oníricos ao lado de um Quaterna Réquiem altamente inspirado é um deleite, principalmente porque aqui eles eram o centro único das atenções, com a cuidadosa passagem de som que apresentações em festivais com várias bandas raramente podem oferecer.
O único porém desse lançamento é a pouca quantidade de extras, sempre bato nessa tecla quando resenho sobre dvds. Sei que é complicado em termos de Brasil oferecer esses recursos, mas acho que ao menos uma pequena entrevista com os integrantes já seria bem interessante. De resto, está tudo perfeito. |
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