Discoteca básica, fundamental
Apesar de eu não conhecer a maior parte das bandas chamadas "progressivas" da atualidade, não tenho medo de arriscar que o Anekdoten é uma das melhores atuando no momento, não só na área do chamado "rock progressivo". Na minha opinião o Anekdoten deveria estar se colocando como post-rock ou qualquer outra etiqueta que a mídia esteja dando, já que o termo "progressivo" hoje é cercado de preconceitos, para que assim eles pudessem alcançar com mais facilidade um público mais amplo.
O Anekdoten está como envelhecendo como vinho - apesar de eu não gostar de vinho. Eles estão cada vez melhores. A cada disco evoluem mais um pouco, mantendo sempre uma certa sonoridade, qualidade, estilo. Quem acompanhar a
discografia poderá observar esta evolução contínua. Neste álbum a banda demonstra plena maturidade e uma identidade própria consolidada, que começou a se definir no terceiro álbum (From Within), após seus dois primeiros álbuns ainda bem enraizados nas sonoridades progressivas dos anos 70.
Começamos com a canção The Great Unknown em que se ouve desde os primeiros
segundos as características do som destes geniais suecos. Letras introspectivas cantadas em inglês, seção instrumental equilibrada, sólida e enérgica, a presença freqüente dos sons de cordas do teclado Mellotron, um timbre que é ícone deste formato alternativo de rock conhecido, nos anos 70, como progressivo. Porém o Anekdoten se apropriou deste timbre de tal forma que hoje, quando pensamos nele, pensamos na banda. Os vocais são cantados num inglês claro, sem falhas de pronúncia ou escrita; as letras são incluídas na íntegra no encarte. O vocalista, de timbre suave, também veio se aperfeiçoando ao longo da carreira do grupo: os vocais são emocionados porém sem exageros, melódicos e afinados. Há um perfeito equilíbrio entre a voz e os instrumentos.
A primeira canção evoca idéias de uma viagem interna, associando essa introspecção com imagens cósmicas. Em português, eles dizem "Finalmente, estamos indo / aonde nenhum homem foi / mergulhando profundamente no grande desconhecido. / Espaço e tempo vão passando, / mas o mundo lá fora / é engolido pelo o céu sem estrelas." A música continua mencionando abertura de portas, longas ausências, "isto está só começando" e, finalmente, somos transportados para o cosmo com "todas as forças do cosmo me levam / conforme nós cruzamos a galáxia / estou chegando em casa!" Ainda nesta primeira música, temos o som de flauta, um instrumento até então inédito no Anekdoten.
A próxima canção, 30 Pieces (30 Pedaços), retoma a assuntos melancólicos, outra marca deste grupo. O instrumental é cristalino com a forte presença de uma batida simples mas eficiente, e presença constante mas sutil do som de órgão elétrico. A letra é pontuada por riffs de baixo e guitarra também econômicos e eficazes. O personagem desta canção se sente perdido e abandonado, conforme este trecho: "estou com frio e faminto / diga-me por que eu deveria acreditar / eu vejo morte e vejo você e eu / q escuridão cai sobre mim / a traição fez uma profunda marca de queimadura (...)". No final da música, ao personagem ainda resta um fio amargo de esperança: "O que seria necessário para tornar todos os meus sonhos realidade? / só uma palavra, / me dê só um sinal, / só uma pequena mentira..."
No meio da música temos uma passagem instrumental com a primeira grande participação da flauta, que volta no trecho final, também instrumental, desta vez acompanhada do piano. O clima é, como sempre, melancólico porém altamente enérgico, combinação que é a marca registrada do Anekdoten.
Chegamos à terceira canção, King Oblivion, que remete a imagens do livro bíblico do Apocalipse. Novamente, estas imagens estão associadas a questões existenciais: "as 7 trompas chamam, / gafanhotos surgem, escurecendo o céu e o sol,/ a cabeça da serpente surge / das profundezas, dos recônditos da sua mente, / já imaginou por quê? / o que é mais uma mentira / numa sombria floresta de negações?"
Novamente, temos nesta terceira canção mais inovações no som do Anekdoten, sempre sutis porém marcantes. Os interlúdios instrumentais são marcados por longos tons de sintetizador combinados com tons distorcidos de guitarra. Esta combinação dá um clima marcante à música.
A próxima canção, A Sky About to Rain (A chuva está prestes a cair) é o clímax que fecha a trilogia sobre mentiras deste álbum. "Como chegou a este ponto? / Não posso mais fingir que nada mudou. / Eu afoguei as dúvidas e mastiguei as mentiras, / Ignorei os espaços entre as linhas. / Não aja com tanta surpresa / quando você sabia de tudo o tempo todo. / Cada uma de todas essas mentiras / queima um buraco na minha alma. / A chuva está prestes a cair."
Esta é uma das mais pungentes canções do Anekdoten. Após este refrão, que fecha com o título da música, somos levados por uma grandiosa, triste melodia tocada nas cordas do Mellotron, seguida por nervosas passagens de guitarra. O sintetizador também se faz presente novamente.
Não à toa, dada sua evidente relevância e posição central no álbum, esta música é prolongada pela faixa instrumental Every Step I Take (Cada Passo Que Dou). Numa eterna ascenção com longos acordes e feedbacks de guitarra levados por uma bateria sólida e constante, esta música faz lembrar a faixas mais pesadas do Sigur Rós. Com um último longo acorde, encerramos a primeira metade deste álbum.
Um solitário violão acústico abre a segunda metade, na tranqüila e surrealística canção Stardust and Sand (O Pó das Estrelas e a Areia). Uma faixa mais calma, apenas violão, sintetizador - desta vez, com um papel mais relevante -, cordas (sempre do Mellotron) e raras pontuações percussivas. A letra desta vez é mais enigmática e nebulosa. No meio do caminho, o arranjo muda para algo com um leve sabor folk, guiado por um violoncelo ao fundo, com um saboroso trabalho percussivo, uma passagem bastante peculiar. As imagens oníricas desta música se encerram com "te vi na distância, / que droga, estes pés de chumbo, / tentei me levantar, / mas nem consegui dizer teu nome. / dormi com um olho aberto / o sonho segurei firme na mão / acordei, e o encontrei quebrado / entre o pó das estrelas e a areia."
Voltamos ao rock característico do Anekdoten para a faixa mais enérgica do álbum, In For A Ride. Esta é a que mais remete aos discos anteriores, que mais se aproxima de um "progressivo tradicional". Ao mesmo tempo, este som tradicional é enquadrado na atual maturidade estilística do grupo. Neste ponto do álbum, não há mais novos sons a serem apresentados. Eles são colocados à prova na música mais agitada do disco, com grande efeito.
A história do nosso personagem continua, conforme ele hesita diante de novos horizontes: "e se for por isso que eu estive esperando? / então, o que será de mim? / (...) sinais de pânico... / mas eu comprei o ingresso e vou entrar nessa viagem / (...) não pense no amanhã, / não fique pensando nos erros que você cometeu. / esta é a hora, este é o lugar / e quando todas as luzes estiverem apagado / você vai ver só que viagem."
Finalmente, chegamos à última, lenta música, Prince of the Ocean (Príncipe do Oceano). O personagem continua em dúvidas sobre seu futuro, sua existência: "Examinando memórias, dissecando sonhos / procurando por visões de grandes esquemas perdidos / idéias mal-realizadas foi tudo o que encontrei / nenhum guia para meu futuro, nenhuma chave para aquilo em que me tornei / Eu sou uma ilha, um navio no mar / estou à deriva ao sabor dos ventos, para onde as correntes levarem / Eu sou uma ilha, uma estrela na noite / eu procuro no horizonte por faróis, / longas são as horas, / parado é o mar."
Finalmente, uma voz superior o incentiva a se libertar e assim em tons maiores e esperançosos terminamos esta viagem: "Quando você tiver passado pelos perdidos e achados, / quais foram as coisas que ficaram na sua mente? / quando você estava se remexendo na cama, / quais foram os pensamentos passaram pela sua cabeça? / Eu sei que você está ansioso por um plano maior, / um porto que o receba bem, um porto seguro. / Abandone a âncora, ice as velas, / amarrado ao mastro, siga em frente!"
Em A Time of Day, o Anekdoten não desperdiça nenhum dos 45 minutos de duração do disco. Letras interessantes, musicalidade impecável, encarte de 12 páginas em papel de excelente qualidade, contendo reprodução da capa e outros gráficos, as letras do disco e informações técnicas. Digipack também de ótima qualidade com foto da banda no estúdio. Um pacote sem defeitos. É impossível dar nota menor que 10 neste que é um dos grandes álbuns de 2007! |
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