Extremamente bom, um clássico ro rock progressivo
Este cd é uma prova viva de como existem, nesse mundo afora, obras musicais de grande qualidade que nunca chegam a ter um lançamento oficial.
O Happy the Man criou a obra conceitual Death's Crown no distante ano de 1974. Antes de assinar com a Arista, onde lançaria seus primeiros discos. E já após as suas primeiras gravações (com sua formação original, que incluía Cliff Fortney nos vocais, e cujos registros também vieram à tona muito tempo depois, no cd Beginnings).
A suíte Death's Crown fazia parte de um ambicioso projeto na época, que era uma peça de teatro. A banda atuaria como o grupo de músicos da peça, e receberam a incubência de criar uma obra musical que seguisse o conceito da peça. O tecladista e soprista Frank Wyatt criou toda a parte musical sozinho, e fez as letras junto com o recém contratado vocalista Dan Owen. O projeto da peça, porém, não foi adiante, e a banda viu-se de volta à estaca zero. O resultado acabou sendo nova mudança nos rumos do grupo, com a saída de Dan Owen, e a decisão de, a partir de então, se tornar um grupo essencialmente instrumental.
Às portas do ano 2000, foi encontrada uma fita com uma gravação, em perfeito estado, da suíte Death's Crown. E assim, via Cuneiform Records, ela teve, em 1999, seu lançamento oficial, no álbum aqui resenhado, que ainda conta com duas músicas adicionais.
Para quem conhece a banda apenas a partir dos seus álbuns mais famosos, há curiosidades. A começar, pela constante presença de vocais, onde Dan fez um belo trabalho, com um vocal melódico e um pouco dramático que se encaixou muito bem. Outra curiosidade é que nesta obra Frank não tocou nenhum instrumento de sopro (as flautas ficaram a cargo de Kit e de Stanley, e não há sax no disco). E por fim, há alguns vocais de apoio, que ficaram a cargo de Frank (e não de Stanley, como poderia se esperar).
Mas talvez a maior curiosidade seja a constituição da suíte : dividida em 11 partes, ela tem quase 40 minutos de duração, algo que a banda jamais ousou fazer em todo o restante da sua carreira.
A gravação da suíte que dá título ao álbum, a despeito de ser uma demo, possui ótima qualidade de som, permitindo que se perceba todas as nuances e caprichos que caracterizam uma gravação do Happy the Man. O único senão neste sentido está exatamente nos vocais, que soam um pouco abafados e muitas vezes escondidos atrás dos instrumentos. Uma pena, pois a remasterização ficou muito boa, o som chega cheio e potente ao alto-falante.
Death's Crown conta a história de um homem, a partir do momento em que encontra a morte. E se desenvolve no que o homem vive a partir da sua passagem para "o outro lado". A letra alterna trechos relatados pelo homem com trechos relatados por um narrador, e ainda alguns relatados por anjos que observam a viagem do homem.
A parte instrumental tem uma temática mais sinfônica e teatral, além de ter menos ênfase em solos, devido à presença dos vocais. Porém, não deixa em nenhum momento de ter a cara da banda. A introdução já mostra bem isso, com a bateria sendo conduzida com típicas características de orquestra, assim como a cama de teclados, deixando a guitarra para solar discretamente, alternando com os famosos dedilhados de Stanley, enquanto Dan canta a parte inicial. O dedilhado de guitarra conduz à curta parte 2, e ao trecho seguinte, também dominado pela guitarra, que aparece em belos solos (este trecho é quase todo instrumental, só entrando o vocal no fim, justamente para contar o momento em que o homem avança no início da sua viagem para "o outro lado").
A parte 4, a preferida de muitos fãs, introduz o tema principal da suíte, numa bela melodia lenta, onde se destaca o vocal de Dan, muito bonito neste trecho. Kit continua preenchendo, com seus teclados, o espaço que seria das cordas se uma orquestra executasse esta peça, com Frank ao fundo no piano elétrico, Stanley em eventuais incursões de guitarras, e a sempre eficiente cozinha de Rick e Mike. Mais no final, se ouvem flautas.
A parte 5 é velha conhecida dos fãs da banda. Pois a mesma o aproveitou integralmente, alguns anos mais tarde, no álbum Crafty Hands, rebatizando-a como Open Book. O arranjo é idêntico, como poderá se perceber ao ouvi-lo aqui. Nada nela foi mudado.
A parte 6 fala de um romance do homem, não deixando claro se tem a ver com sua vida anterior. A temática segue abstrata, e a melodia reflete um pouco isto, lenta e um pouco experimental.
A emenda com a parte 7 acelera o andamento, onde mais uma vez a guitarra inicia solando, intercalando com intervenções dos teclados de Kit (moog à frente, e eventuais duetos de ambos. A melodia fica mais lenta e volta o vocal, e a flauta transversa ressurge ao fundo, bem melódica. A música segue assim, com vocal e flauta, com guitarra aparecendo discretamente ao fundo. Nova aceleração, numa retomada do tema que iniciou este trecho.
A suíte segue deliciando os ouvidos. O trecho 8 é uma vinheta mais tensa e levemente gótica, com presença de sons de cravo (provavelmente executados pelo clavinet que aparece na ficha técnica). A parte seguinte é outra vinheta, mais lenta, acelerando no final.
A parte 10 tem essa levada mais acelerada, com um solo de teclado típico de Kit, e guitarra dando um solo melódico ao fundo. Aqui há uma discreta aparição de flauta doce também. Mas a marca aqui mesmo é, mais uma vez, a o solo guitarra, belíssimo novamente.
A parte final trás de volta a melodia da parte 4, com mais destaque para todos, num típico clima de encerramento apoteótico. A suíte se encerra com uma narração, onde os últimos versos citam o nome da banda, e um forte e crescente acorde de "strings" encerra a obra.
Completam o álbum mais duas gravações inéditas. A primeira é uma curiosa versão embrionária de New York Dream's Suíte (faixa que encerra o primeiro disco do grupo). A curiosidade é que esta versão tem vocais, mais uma vez a cargo de Dan. A parte instrumental tem basicamente a mesma estrutura, e o diferencial é mesmo a presença de vocais. Eu, particularmente, gostei mais da música assim. Ficou mais completa com as partes cantadas, sobretudo o final, onde a parte cantada é muito bonita (com direito até a backing vocals), ganhou uma nova dimensão. Aliás, falando nisso, uma falha do encarte do cd é o fato da letra desta música não aparecer.
O cd se encerra com a belíssima e obscura peça instrumental Merlin on the High Places. Introduzida por um dedilhado de guitarra e um lindo solo de flauta transversa, numa melodia muito cativante, típica dos momentos melódicos da banda, com um certo ar misterioso. Ao fundo, Mike faz um discreto e certeiro trabalho nos pratos, dando um colorido ao arranjo dessa introdução. A melodia segue conduzida pela flauta, agora com a entrada de uma flauta doce no arranjo. Saem ambas, e entra um solo de teclado, que leva a uma mudança de melodia, para um andamento mais acelerado. Uma pausa introduz mais um solo de teclado, desembocando no retorno do ritmo acelerado, quando a guitarra assume o comando. Esse trecho mais acelerado tem uma batida que a banda sempre gostou de usar, com ritmo quebrado. Por volta dos 5 minutos, a música fica lenta novamente, em outro trecho muito bonito. O solo final é de moog, com strings fazendo a cama, e a sempre sólida cozinha baixo/bateria/piano elétrico ao fundo. Realmente, uma ótima canção.
Death's Crown, o álbum, é uma grande obra, que mantém o mesmo nível do que o Happy the Man fez nos seus 2 mais conhecidos álbuns. Uma obra que tem tudo para agradar a qualquer um que goste da banda. |
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