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A primeira e pouco conhecida formação do Renaissance (2005-09-13)

Marcello Rothery




O Renaissance é um dos mais consagrados nomes da história da música progressiva. Seu nome é facilmente reconhecido pela maioria das pessoas que tenham mais de 40 anos, sejam elas ou não admiradoras do estilo.

Porque o Renaissance extrapolou os limites do movimento progressivo e chegou às paradas de sucesso em todo o planeta, inclusive aqui no Brasil. Experimente mostrar músicas como Let it Grow e Carpet of the Sun a alguem que viveu os anos 70; ela provavelmente irá se lembrar.

Porém, o que pouca gente sabe é que o Renaissance não começou com a formação que se tornou famosa no mundo todo, com Annie Haslam nos vocais, John Tout no piano, Jon Camp no baixo e vocais, Michael Dunford no violão e Terry Sullivan na bateria.

Na verdade, o Renaissance surgiu, por mais improvável que pareça, a partir de uma dissidência dos Yardbirds, banda de rock pesado que lançou Jeff Beck, Jimmy Page e Eric Clapton. Além deles, tinha Keith Relf nos vocais e Jim McCarty na bateria. Após a dissolução do Yardbirds, Keith e Jim decidiram montar uma nova banda. A idéia era se desligar do blues, e acrescentar elementos clássicos, que era a direção que muitos roqueiros mais inovadores da época estavam tomando.

E assim eles fizeram, recrutando dois excelentes músicos : o baixista Louis Cennamo e o tecladista John Hawken. Durante os ensaios, a irmã de Keith, Jane Relf, aos poucos foi tomando parte, pois a idéia de ter um vocal feminino agradava e muito aos músicos. Os elementos clássicos acrescentados por John no piano e no cravo casavam perfeitamente com a delicada voz de Jane. Juntando a isso o baixo brilhantemente executado por Louis, o diferencial estava criado. Era uma banda com elementos clássicos, folk, rock, e com uma bela dose de experimentalismo.

Em 1969, saiu seu primeiro disco, que se chamava simplesmente Renaissance. Uma obra brilhante e de certa forma atemporal, já que soa atual até hoje. Dominado pelo piano de John, abre com Kings and Queens, uma peça de mais de 10 minutos, cantada por Keith, que inicia de forma tensa e jazzística com improvisos de baixo e guitarra em cima de um tema clássico levado ao piano. Na parte central, entra um solo vocal de Jane, com Louis solando seu baixo ao fundo. No fim, o tema inicial é retomado.

A seguir, mais um longo tema cantado por Keith : Innocense. A estrutura é semelhante, porém sem a tensão de Kings and Queens. No meio da música, John executa vários temas clássicos no piano.

A canção mais famosa do disco vem a seguir : Island, uma bela melodia levada na guitarra e no piano, com Jane no vocal principal. Esta canção foi lançada em single, mas não fez sucesso. Na versão completa que está neste álbum, há mais um belo solo de piano no final, com um toque tipicamente clássico.

Wanderer, a seguir, é talvez a mais bela música do disco, e a única em que John aparece tocando cravo. Mais uma vez, Jane responde pelos vocais, em uma interpretação muito bonita.

Encerrando o lp original, mais um longo, tenso e experimental tema cantado por Keith : Bullet. Talvez a mais "díficil" de todas, ela começa com pequenos solos de piano e baixo, para depois entrar no tema principal, uma das mais estranhas letras do disco, que fala de lutas e assassinatos. Aqui, Keith faz um belo solo de gaita. Após isso, há uma parada, que se segue com intervenções de piano, e um longo e incrível solo de baixo. Sons psicodélicos assustadores encerram a música.

Relançado em cd com o nome Innocense, o álbum tem 6 ótimas faixas bônus. Começa com a linda e curta The Sea, com uma das melhores interpretações da carreira de Jane, seguida da versão reduzida de Island. Depois vem Prayer for the Light, com o baterista Jim no vocal principal (com Jane fazendo um belo vocal de fundo), é uma bonita variação de um tema que apareceria no 2º disco do grupo : Golden Thread. Depois vem Walking Away, de novo com Jim no vocal, uma agradável canção levada ao violão, com flautas ao fundo. Por fim, a psicodélica e acústica shining Where the Sun Has Been, tocada apenas por Keith e Jim, que a cantam juntos, e a bela All the Falling Angels, a última gravação feita por Keith antes de falecer, em 1976.

Um ano após o primeiro disco, e pouco após uma turnê americana, o Renaissance retornou aos estúdios para aprontar seu segundo disco : Illusions. Porém, a harmonia entre os músicos já não era a mesma, assim como a coesão mostrada no primeiro disco. Illusions é um belo disco, porém inegavelmente inferior ao seu antecessor. Destacam-se a bela Face of Yesterday e a já citada Golden Thread, além da quilométrica Past Orbits of Dust, na qual o piano é tocado por um músico convidado, pois John se retirou da banda no meio das gravações. Aliás, as gravações deste disco marcaram a dissolução da formação original, pois Jim, Keith e Louis também abandonaram o barco antes do fim das gravações. Uma das músicas, Mr. Pine, é gravada com apenas Jane como membro original, sendo todos os demais músicos recrutados por um dos substitutos que entrou no meio das gravações : o guitarrista Michael Dunford, que assina esta composição.

Tão confusa foi a situação na época que o disco acabou sendo lançado em um único lugar no mundo : Alemanha. Enquanto isso, a formação do Renaissance mudava radicalmente, tendo apenas Jane Relf como membro original.

A história deste período de transição, que levaria a banda à formação com Annie Haslam, será contada na próxima coluna. Aguardem. Até lá, confiram os registros que a pouco conhecida formação original da banda deixou, sobretudo seu intrigante e excelente disco de estréia. Um som mais experimental, com ingredientes clássicos e folk. Preste atenção no baixista Louis Cennamo, uma fera como poucas, que não tem o reconhecimento que merece.

(ToSemBanda.com, Coluna do Marcello Rothery)


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