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The Lamb Lies Down on Broadway - uma visão sobre a história (2007-02-24)

Marcello Rothery


Talvez o disco menos valorizado da fase clássica da banda, esta obra, porém, é de longe a que mais desperta curiosidade e fomenta debates pelo mundo afora. Afinal, trata-se de uma obra conceitual feita sob uma ótica extremamente surreal e caricata. É uma história que incomoda, um verdadeiro soco no estômago, e da qual se pode tirar diversas conclusões diferentes.

Eu aqui vou falar da minha idéia sobre o conceito desse disco. Mas antes, darei uma rápida repassada no mesmo.

The Lamb Lies Down on Broadway fala sobre a trajetória de Rael, um jovem porto-riquenho que vive nas ruas vizinhas da Broadway, e é líder de uma gangue. A obra faz um confronto entre a beleza e o esplendor da Broadway e a vida miserável dos desfavorecidos que se arrastam incólumes nas ruas. Falando sobre uma ótica caricata e surrealista, a história mergulha numa viagem espiritual de Rael, onde ele se vê em várias situações estranhas, se depara com vários personagens mitológicos, e parece o tempo todo buscar a redenção e o reencontro com seu irmão John. Algo que ele enfim consegue no fim da história.

Bem, vamos à minha interpretação da história :

Eu acho que John é o próprio Rael. É a sua verdadeira personalidade.

O objetivo da saga é a salvação de Rael. Só que, para conseguir isto, Rael tem que encarar seu verdadeiro eu, que ele deixou para trás há tempos. O John que saiu de Porto Rico e chegou a Nova York se transformou em Rael, para tentar sobreviver no local opressor em que passou a viver. A primeira e a terceira músicas escancaram isso : o contraste entre o ar glamourioso da Broadway com a sordidez com que os desfavorecidos das imediações têm de conviver.

Em Cucko Cocoon, Rael questiona sua postura atual pela primeira vez, mas resiste ("No. I'm still Rael"). O conflito segue em In the Cage, onde ele se vê numa prisão que ele mesmo, na verdade, criou. Sua postura agressiva, que na verdade é um mecanismo de defesa de uma pessoa amedrontada, alimenta os demônios que consomem Rael por dentro. Nesta música, ele pela primeira vez avista seu verdadeiro eu ("Outside the cage I see my brother John"). No entanto, se recusa a encarar o fato. O lado de fora da jaula é inacessível, por isso ele enxerga sua verdadeira personalidade do lado de fora. Por saber que não age como seu verdadeiro eu agiria por, verdadeiramente, não poder agir assim naquele momento.

A partir do momento em que sua verdadeira personalidade se esconde novamente, Rael deixa de ter qualquer obrigação de se explicar com si próprio. Por isso a jaula se dissolve no mesmo momento.

A história segue expondo os pecados de Rael. A "Grand Parade" mostra-lhe que seus companheiros de gangue, ao contrário do que ele tinha como certo, eram pobres diabos perdidos com seus próprios demônios. E que, ao se envolver no bando, ele colocou-se na mesma situação (por isso ele vê John também).

Carpet Crawlers mostra, para mim, um momento de lucidez de Rael. Enquanto as pessoas à sua volta se encontram em penúria, ele percebe que, se desviando das nuvens negras, consegue viver melhor. Por isso ele consegue caminhar normalmente.

Só que, ao constatar isso, ele se dá conta de que as pessoas à sua volta (sua gangue) não são exatamente os bravos e confiáveis parceiros que ele imaginava. É um momento de grande confusão, representado pela câmara de 32 portas.

Uma coisa que permanece sem explicação para mim é a seqüência que vem. Em Lilywhite Lilith, não entendo porque a única pessoa que mostra a Rael a saída é cega. Sei que, de alguma forma, a saída vai dar num encontro com a morte. E que Rael, sei lá como, escapa disso.

Por fim, as "Lamia", poderiam ser vistas como as tentações do diabo. Drogas, armas, tudo que aparentemente dá bem estar, poder e esperança a Rael, mas que na verdade só ajuda a destruí-lo por dentro. Mas porque morrem ao sugar a primeira gota de sangue ? Seriam elas então outra coisa ? Talvez sejam prostitutas que vivem na miséria de Nova
York, e que, ao seduzirem Rael, ganham seu sustento, mas são consumidas pelos males que o próprio Rael as faria. Sinceramente, as "Lamia" dão margens a várias interpretações, sendo que nenhuma é muito conclusiva.

Daí em diante, a coisa só fica mais clara para mim perto do final, quando Rael vai se conscientizando cada vez mais que, ao criar um personagem sórdido como criou, ele caiu na perdição. E que a única forma de se salvar é encarar isso, e salvar o seu verdadeiro eu. John, enfim salvo, volta a viver de acordo com seus próprios princípios.

A conclusão que eu tiro da saga é esta: por mais provações que uma pessoa passe em sua vida, nunca deve destruir suas próprias convicções. Não deixar de ser ela mesma. Senão, aí sim é que estará perdida.


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